Rising Sun Cap 39 Céu Vermelho


 

Cap 39 Céu Vermelho

Eu não podia ouvir sequer meus pensamentos , tudo tornou-se caos. Os grunhidos ensurdecedores enchiam meus ouvidos. Eu senti as mãos de Willian me puxarem para trás, jogando-me no chão entre as árvores e a relva molhada. A névoa começou a ceder à medida que Benjamin percebia que era inútil usá-la contra aquele animal, ele podia nos ver tão perfeitamente quanto nós víamos ele.

Os lobos atacaram, cercando-o de todos os lados. O corpo enorme e deformado erguia-se nas duas patas traseiras, a três metros do chão, fazendo com que Sam e Jacob parecessem cães normais ladrando em seus pés. Embora sua aparência medonha me causasse asco, eu não conseguia tirar os olhos daquele ser andrógino, nem mesmo ousava desviar o olhar da mandíbula larga e ameaçadora, os dentes como adagas cintilando contra a pele escura e pegajosa, os olhos negros desvairados focalizavam o nada, retomando o foco de súbito. Zafrina não estava tendo muito êxito naquela mente vazia.

A criatura parecia não se importar com a desvantagem de doze contra um, e em cada movimento furioso, ele procurava uma maneira de fechar os dentes em alguma coisa. Seu corpo era algo terrível de se observar, principalmente por se tratar de uma estrutura tão humana, uma cópia distorcida e expandida, transfigurada naquela forma grotesca. As patas traseiras, longas e esguias, terminavam em tornozelos e pés descamados, uma imitação medonha de pernas humanas, enquanto as patas dianteiras estendiam-se como dois braços humanos afim de alcançar e rasgar qualquer coisa que se aproximasse de suas garras. O pescoço semi-coberto por pêlos tão longos quanto cabelos humanos, sustentava o crânio achatado, característico das raças lupinas. O focinho comprido terminava em dois orifícios ofídicos e enrugava-se completamente, deixando à mostra a fileira de dentes enormes e pontiagudos e uma liga densa de saliva esbranquiçada que corria-lhe pelo pescoço nu . Mas o que mais fazia minha espinha gelar, eram os olhos. Demasiadamente humanos, negros como a noite e tão inconscientes quanto os olhos de um morto. Aquela criatura era uma casca vazia, completamente desprovida de qualquer consciência, humana ou animal. A única coisa que o preenchia era o ódio, a ferocidade desvairada e a sede selvagem do sangue humano.

Os lobos o enfureciam profundamente com seus ataques organizados, seus movimentos ponderados, cercando-o como um coelho apetitoso, e ele atacava, grunhindo e avançando sem medo de ser pego pelos dentes de Jacob, que avançava audaciosamente entre seus braços longos e lentos. No turbilhão de grunhidos bestiais eu sentia o perigo daquela proximidade oprimir minha cabeça, como uma prensa de ferro. As garras enormes golpeavam a esmo, a criatura era imensamente forte e letal, mas não era tão ágil e veloz quanto os lobos, ele nem mesmo percebia a proximidade cada vez mais ameaçadora de minha mãe e Zafrina, seguidas de um Benjamin bem mais cauteloso e ardiloso em seus movimentos. Eu queria agir, não podia suportar ser a platéia daquele jogo mortal, onde qualquer momento poderia ser o último para alguém próximo de meu coração.

– Jake! – Gritei, quando num instante que quase me tirou o ar, eu vi as garras afiadas golpearem o ombro de Jacob. Eu nem percebi que estava em movimento, apenas me dei conta disso quando as mãos de Willian me alcançaram a meio passo.

– O quê está fazendo? – Gritou ele sob os troncos esmigalhados e pedriscos que choviam em cima de nós. Eu quase não podia ouvi-lo em meio a tantos grunhidos.

– Eu vou ajudá-los. – Respondi, tentando me desvencilhar de sua mão, que segurava meu pulso firmemente. Quando ele não soltou, eu o empurrei com força e presumi que ele não esperava tanta ferocidade de minha parte. Desviei de um tronco que voou diretamente para mim e avancei sobre os juncos em direção à luta. Quando passei por Leah – a mais distante do grupo – senti os braços de Willian rodearem minha cintura, levando-me de volta para a proteção das árvores.

– Me solte Will, qual é o seu problema? Nós precisamos ajudá-los. – Grunhi, tentando agarrar-me a qualquer coisa, a fim de escapar do aperto de aço de seus braços.

– Você está louca? Esqueceu que você é a única aqui com sangue humano correndo nas veias? Se aquele maldito sentir seu cheiro, ele vai atacar, e Deus nos ajude, por que ninguém vai conseguir detê-lo. – Eu não estava resignada com a idéia de me esconder enquanto todos estavam arriscando suas vidas, mas tinha que admitir que seria um problema se aquele monstro farejasse meu sangue. Mordi a língua para não pronunciar as maldições que afloravam em minha mente, enquanto buscava alguma solução para meu problema maior: minha frágil humanidade; mas todas as minhas boas intenções de obediência foram frustradas pela voz de Zafrina:

– Bella, recue! – Gritou ela, enquanto Sam e Paul investiam contra a fera pelos flancos. Eu não pude piscar e num primeiro momento de desespero eu senti meu coração falhar. Podia jurar que era o fim para minha mãe quando vi a pata dianteira alcançar seu pescoço. Ela oscilou para trás, evitando o golpe mais profundo. Uma mecha de cabelo cor de mogno esvoaçou pelo ar.

– Mãe! – Gritei, enquanto me colocava em movimento novamente. Progredi dois passos apenas e Willian já me tinha de novo presa em seus braços de aço. As coisas ficaram intensas, nossa investida estava ficando impaciente e a ferocidade da criatura era impassível diante de toda nossa cautela. Eu parei de pensar no segundo em que vi aquele ataque que poderia ter me tirado minha mãe e simplesmente avancei, tentando escapar da proteção de Willian. Que se dane meu sangue, se eu não fizesse nada, muito mais sangue iria jorrar.

Porém, quando eu já me preparava para escapar dos braços de Willian, houve mais um ataque, e em meio ao ganido de dor que ressonou apenas por meio segundo, Willian e eu fomos atingidos pelo corpo enorme e cinzento de Seth. Fomos lançados em meio às árvores e rolamos pelas pedras da encosta do vale. O corpo cambaleante de Seth comprimia Willian contra o chão, enquanto eu lutava para me livrar das pernas traseiras que estavam esmagando meu estômago. Olhei para Willian, preso sob o corpo peludo, e depois para Seth, semi-consciente. Bem, era agora ou nunca. Que Willian me perdoe, mas eu tinha que agir!

Me arrastei pelo chão até livrar minhas pernas do peso de Seth e coloquei-me em movimento assim que pude ficar em pé. Dez metros adiante os urros bestiais cortavam o ar como uma tempestade, trovejando pelo espaço vazio a nossa volta. Corri para lá.

– Ness! – Ouvi Willian gritar e acelerei o passo, antes que ele pudesse me alcançar.

Quando cruzei a orla das árvores, Benjamin me deteve, erguendo as mãos sem desviar os olhos da criatura.

– Ness, para trás! – Gritou ele. Eu nem estava perto o bastante quando ouvi os urros ensandecidos da criatura cessarem, e com eles, todos os sons, grunhidos e sibilados que enchiam a clareira. Por um momento eu apenas observei tudo ficar suspenso no ar, todos os olhos se estagnarem em mim aterrorizados. A clareira permaneceu três segundos mergulhada num silêncio agourento, enquanto todos observavam o focinho descarnado sugar o ar em minha direção. Reunindo alguma força oculta dentro de mim, eu me preparei para o que viria.

Ele atacou, arrastando Sam, Paul e Embry, lançando-os no chão como galhos secos, abrindo caminho até mim. E estranhamente, como se fosse algo absurdo de se esperar de mim mesma, eu não senti medo. Diante daquela aproximação que significava dor e morte, eu estava lúcida, completamente ciente de meu corpo se retesando para a luta. Observei friamente a aproximação violenta do monstro, e as tentativas frustradas de todos que tentavam pará-lo. Eu senti seu olhar selvagem queimar em minha pele, mirando minha garganta.

Naquele meio segundo, eu cheguei a sorrir, enquanto o assistia avançar, hipnotizado pelas batidas do meu coração e pelo cheiro quente de meu sangue.

Venha, venha. Chegue perto o suficiente para eu pôr minhas mãos em você. Eu quero sentir o gosto do seu sangue, filho da lua. Em minha mente, as palavras ecoavam como ondas que se erguem e se quebram na praia, transpassando o véu da minha visão e escorregando lentamente para ele. Eu vi os olhos da criatura fitarem meu rosto por dois ângulos diferentes. O quê era real e o que era imaginário se misturava em sua mente vazia, e meus pensamentos, naquele instante, eram também os pensamentos dele.

Ele correu e continuou a correr, avançando sobre as quatro patas e sem nenhum traço de lucidez, diretamente para mim. Uma breve hesitação retesou seu corpo esguio apenas por um segundo, e eu senti que ele podia me ouvir, de uma forma que eu não sabia explicar, eu sentia que minhas palavras mudas eram para ele como pontas afiadas que cutucavam seu corpo, uma fisgada no orgulho de quem jamais fora desafiado. Era difícil de entender, mas eu não o temia e naquele momento, não conseguia pensar muito bem sobre isso. Eu estava ali, olhando-o nos olhos, e o quê vi foi a crescente atração que minha súbita coragem provocava nele, mais irresistível que o sabor de meu sangue. O anseio dele me alcançava com imagens pálidas. Seus dentes perfurando minha pele e secando minhas veias, enquanto meu coração lutava para não sucumbir à morte, resistindo à ele como nenhuma outra criatura jamais o fez.

Meio segundo, talvez menos que isso… Enquanto eu era arremessada ao chão, minha mente se acendia para o entendimento de que aquela conversa não aconteceu realmente.

Senti o peso quente sobre mim, meus pensamentos se emaranhavam com os daquela criatura vazia – tão vazia que me fazia sentir frio, mesmo sob o corpo enorme que queimava contra minha pele. Meus pensamentos, os pensamentos dele. Fundiram-se naquele breve momento em que estive sob a mira de seus olhos mortos.

As folhas secas agarravam-se em minhas roupas como animais rastejantes. Mãos quentes me apertavam contra o chão. Olhei por sobre o ombro largo que me pressionava na relva úmida, os rugidos bestiais ainda ressonavam em algum lugar muito perto de mim.

– Jake, o quê você está fazendo? – Sussurrei trêmula em seu ouvido.

– Salvando sua vida. – Respondeu ele, a voz rouca presa na garganta, tentando escapar pelos dentes firmemente cerrados. Jacob rolou de lado, ofegando, o coração martelando freneticamente. Me apoiei nos cotovelos para olhar em volta e com um súbito estremecimento percebi o quão perto estive da morte.

– Jake, por quê você está nessa forma? É perigoso demais. – Balbuciei as palavras sem pensar muito no que estava dizendo. Meus olhos seguiam, vidrados, o esforço dos lobos para conter a criatura, enquanto registravam com uma pontada de culpa, os ferimentos que se abriam e sangravam entre seus pêlos espessos.

– Se eu tentasse te agarrar na outra forma, teria feito mais estrago que ele. – Respondeu Jacob, com um aceno soturno para a criatura.

– Eu vi a mente dele. – Sussurrei para ele, sem me dar conta, até aquele momento, do quê realmente havia feito. – Eu deixei meus pensamentos escaparem para fora de mim e de repente eu estava vendo coisas da mente dele. Eu senti a sede dele, Jake… – Olhei para Jacob com uma pontada de medo crescendo dentro de mim, confusa e atormentada pelos breves momentos em que aquele monstro esteve dentro de mim. Jacob sustentou meu olhar, o rosto intransponível.

– JAKE! – Ouvi a voz de minha mãe gritar para nós de algum lugar que eu não podia ver, e no mesmo instante Jacob me envolveu em seus braços novamente, colocando seu corpo sobre o meu como um escudo humano. Por sobre o ombro moreno eu vi, horrorizada, a criatura se aproximar como uma sombra gelada. Quando os dentes pontudos faiscaram sobre nós, perto o bastante para nos matar, eu enlacei meus braços no pescoço de Jacob e fechei os olhos. Eu não deixaria ele morrer por mim, eu ficaria com ele até o fim, então nós dois morreríamos. Zero a zero.

Enquanto mantive os olhos fechados, eu pude vislumbrar novamente aquelas imagens distantes da mente dele. A sede eterna, um fogo consumindo seu corpo – meu corpo – eternamente. Mais imagens vieram, desgastadas, desconexas, cenas se apagando na escuridão, como velas num altar esquecido. A lua. Pálida e soberba, rasgando o céu como uma boca de luz incandescente, engolindo a noite, faminta, tão faminta… E o fogo, devorando a aldeia, perseguindo a escuridão da floresta com olhos brilhantes, um fantasma queimando nas sombras e me queimando por dentro.

Abri os olhos. Por um segundo eu esperei ver o céu – ou o inferno. Me senti secretamente feliz por ter encontrado a morte depressa, sem dor, e com ele em meus braços. Eu estava me sentindo quase feliz… Mas aquele rosto, aquela forma imóvel e esguia estava realmente ali? Aqueles olhos me seguiriam até na morte? Eu deveria estar no inferno, revivendo todas as coisas ruins que fiz, recebendo o castigo por desejar dois caminhos que jamais poderiam se cruzar. Sim, esse é o inferno, mesmo sendo tão bom poder olhar para ele novamente, enquanto tinha o outro em meus braços, esse decididamente era meu inferno, minha perdição eterna. Alec, Alec… Por quê você veio até aqui para me atormentar? Ou será você o anjo da morte, trazendo dor e incerteza para meu coração, toda vez que me deixa?

– Você está bem? – A voz de Jacob me alcançou no turbilhão de pensamentos que se misturavam em minha cabeça. A lua…a lua crescendo sobre mim…

Não! Aqueles não eram meus pensamentos, não eram minhas lembranças, eu precisava impor algum sentindo em minha mente. Olhei para o rosto pálido e suado de Jacob, pairando sobre mim com tanto cuidado, os olhos negros me encaravam, examinando meu estado, como se eu fosse uma peça de porcelana. O hálito quente em meu rosto, o cheiro da pele, do sangue… Era tudo bem real, por um momento minha cabeça girou e meus olhos ganharam foco novamente, como se uma névoa espessa tivesse se dissipado. O cheiro do sangue de Jacob me despertou, tão doce e forte, tão quente… Escorria em linhas finas sobre mim, traçando um caminho lento por seus ombros e braços, ensopando minha roupa, gotejando sobre meu rosto imóvel. Olhei em minhas mãos, tremendo, e havia tanto sangue.

Meu sangue, o sangue de Jacob… se misturando, nos envolvendo como um manto.

– Jake. – Sussurrei, ofegando, o desespero ganhando partes de mim.

– Shhh, eu estou bem. – Disse ele afagando meu rosto com as mãos grandes demais.

Olhei em volta. Por quê Alec estava aqui? Ele não estava aqui um segundo antes, não até que fechei meus olhos.

Eu não podia ver a criatura, não podia ver os outros tampouco, embora as vozes me chegassem próximas, claras como cristal.

– Você está bem? – Perguntou Alec sem desviar o olhar de algum ponto a sua frente.

– Estou ótimo, foi só um arranhão, graças a você. – Respondeu Jacob fitando meu rosto.

Diante de mim havia apenas o corpo trêmulo de Jacob e a silhueta imóvel de Alec, mas eu sabia que os outros estavam ali, podia senti-los.

– Ness, deixe-me ver isto. – Disse Jacob, colocando-me sentada enquanto me aninhava em seus braços e examinava, preocupado, os profundo cortes em meus braços, que vertiam sangue livremente.

– Já está fechando, eu estou bem. – Respondi, desviando minha atenção para as palavras rápidas de Alec. Tentando entendê-las em meio aos zumbidos que insistiam em sussurrar em meus ouvidos, vozes que me chamavam de dentro das memórias que não eram minhas.

– …alguém precisa ir ajudar Edward e Carlisle. Eles precisam de mais ajuda que eu. – Disse Alec, respondendo à alguém.

– Onde eles estão? – Mesmo dalí, eu pude sentir o desespero de minha mãe enquanto se dirigia, aflita, até Alec.

– Seguimos Aro até Volterra. Eles estão lá, e acredito que ainda estejam. Mas Bella… leve mais alguém com você.

– Eu vou. – Falou Zafrina. – Não estou ajudando em nada aqui.

– Eu também irei, se estiver tudo bem. – Disse Benjamin, lançando um olhar atribulado para mim.

– Você pode ir Benjamin, mas preciso de Willian aqui. Além disso, nós temos outro problema. – Alec deu alguns passos cautelosos, contornando um rochedo e um agrupamento de árvores, onde uma trilha de sangue se arrastava até perder-se na relva. Ele olhou para o alto do rochedo e seguindo seu olhar, eu pude ver a figura obscura o encarar, os olhos negros sob um domínio tênue. – Jasper está precisando de ajuda nas montanhas, e talvez devamos mandar os lobos para lá. Eu posso acalmar o filho da lua por algum tempo, mas não é muito. Ele agora não está sentindo dor, mas a raiva ainda está nele, eu posso sentir. Ele vai atacar novamente, e quando ele o fizer, nós precisamos estar prontos.

– Como matamos o desgraçado? Amun não te contou nenhuma história sobre isso Ben? – Disse Willian, aproximando-se de Alec.

– Desculpe, ele não disse nada, ou talvez eu tenha deixado de prestar atenção em suas histórias. – Respondeu Benjamin taciturno.

Eu ouvia tudo num silêncio distante, com minha mente trabalhando depressa, com aquelas imagens pálidas sobre a vida daquele ser incompreensível, enquanto me obrigava a manter meus pensamentos nesse plano, em minha própria vida, participando de meus próprios pesadelos. Pensei na dor que Alec mencionou, e imaginei que tipo de dor ele sofria, Jane estava bastante longe para não o fazer mal. Eu sentia que entendia aquilo, embora não o fizesse conscientemente. Uma dor tão antiga quanto seu próprio sangue, tão parte dele quanto a sede abrasadora. Sim, eu podia entender por que provei aquela pequena parcela de suas lembranças, tão saturadas de dor que me faziam arder sob aquelas imagens.

Fogo. Fogo consumindo meu próprio ser, incinerando cada ínfima parte, ofuscando meus olhos naquela escuridão eterna.

Por sobre as ondas incertas que se debatiam em minha mente, esse pensamento se desprendeu, e sem que eu me desse conta, as palavras formaram-se em minha cabeça e simplesmente escaparem pela minha boca.

– Fogo. O Filho da lua deve morrer pelo fogo.

– O quê disse? – Perguntou Alec, aproximando-se de mim silenciosamente. Jacob estreitou os braços em minha volta e tentou não encarar tão rudemente a pessoa que acabara de salvar nossas vidas. Engoli com dificuldade a bola presa em minha garganta e disse:

– Eu vi a mente dele Alec. Eu não sei como, mas vi. Por um momento meus pensamentos saltaram de dentro de mim e as memórias dele vieram. É tudo caótico, atemporal, nada tem coesão, mas eu senti… Eu não sei explicar como isso é possível, mas eu senti o medo dele, a aversão pelo fogo. – Enquanto falava, eu podia sentir os olhos de todos presos em mim, e o silêncio que era quebrado apenas por minhas palavras e pelos roncos grotescos da criatura que repousava num estado de inércia. O vento corria livre pela clareira, as árvores se agitavam acima de nós, encobrindo o céu claro e os raios de sol. Alec ouvia minhas palavras com olhos atentos, o rosto frio intransponível enquanto me olhava. Minhas palavras eram tão estranhas para mim quanto eram para os outros, mas eles não sentiram o que senti, eles não viram o horror e a escuridão que inundavam a mente daquele ser. Meu pai entenderia, ele saberia nos dizer o que aconteceu.

– Como isso é possível? Ela nunca fez nada parecido antes… – A voz de Jacob ressonou baixa às minhas costas, e quando olhei para ele, vi que encarava o rosto tenso de minha mãe.

Uma raiva súbita tomou conta de mim, e sem que eu tivesse a chance de me controlar, coloquei-me de pé e me afastei de Jacob e de seus braços protetores. Eu estava cansada de ser olhada daquele jeito, como uma aberração indefesa.

Os cortes nas costas de Jacob já haviam fechado, enquanto meus braços estavam apenas sujos e doloridos com as marcas rosadas das cicatrizes que logo sumiriam.

Ignorei os olhos atentos de minha mãe que me seguiam como fendas de calor, e caminhei até o corpo imóvel e grande da criatura. Enquanto me aproximava, eu tentava não me sentir culpada ou envergonhada pelo modo que eu vinha agindo, a raiva por ser protegida e vigiada por todos me pinicava por dentro, oscilando silenciosamente dentro de mim. Eu estava farta de ser salva por todos, de ser poupada sempre. Quantas vezes eu estive frente a frente com a morte? Mesmo assim, aqui estava eu; a aberração preferida das criaturas insanas. Primeiro Aro, depois isto? Pensei, encarando os olhos vidrados do lobisomem a minha frente.

– Ela pode estar certa. – Ouvi Benjamin dizer. – Afinal, nós também não somos lá tão fãs de uma fogueira, certo?

– Isso não é um vampiro Benjamin. É a droga de um monstro de mais de dois mil anos, nós não sabemos nada sobre ele, e pode ser que, assim como nossa espécie, ele fique mais forte com o tempo. Todos nós sabemos o que os anos fazem conosco. – Willian se aproximou de mim, suas palavras ecoaram pelas árvores e morreram no silencio do vento.

– Nós precisamos tentar. –Disse Jacob, ocultando sua nudez com uma camisa semi destruída.

– Se nós colocarmos fogo nele e não funcionar, eu não serei mais capaz de usar meus poderes para acalmá-lo. Esses são monstros controlados pelo ódio, quando estão enraivecidos, nada pode controlá-los. – A voz de Alec soava distante em meus ouvidos, e estranhamente, como num túnel, eu me vi afastando-me do grupo, sendo tragada por uma força invisível. Os olhos negros me fitaram, desprendendo-se da estagnação e do torpor, e quando o brilho selvagem faiscou em mim, eu senti a força atrativa que exerciam. Ele estava me puxando – como se usasse as próprias mãos – para dentro de si. Um turbilhão de força chacoalhou meus pensamentos por um instante, e antes que eu sucumbisse novamente à mente obscura dele, eu gritei:

– Alec! – Senti o vulto negro passar por mim como um sopro de uma brisa gelada. Alec parou em frente à criatura, entre mim e aqueles olhos negros, e mesmo sem poder enxergar, eu pude sentir a força maciça de poder desprendendo-se dele, envolvendo a criatura como um casulo de fumaça e torpor.

– Não posso contê-lo por muito mais tempo. – Disse Alec, a voz entrecortada pela concentração intensa.

– E então, o que faremos? – Perguntou Benjamin, ansioso.

– Vocês vão para Volterra, as coisas podem estar piores lá. – Alec se moveu de forma que só seu perfil pálido ficasse visível para os demais. Por entre as sombras das árvores, eu pude ver os olhos vermelhos faiscarem no rosto disforme da criatura que se debatia freneticamente.

– Os lobos… – Resfolegou ele, enquanto tentava conter os espasmos violentos da criatura. – Leve alguns para as montanhas. Jasper precisa de… – Os urros furiosos impediam que Alec terminasse de dizer à Sam o que ele pretendia. Ele tremia, tentando manter os olhos fixos na fera. Os outros se afastaram, desviando dos destroços que eram lançados pelas patas do animal. Eu fiquei ali, um passo atrás de Alec, não podia deixá-lo enfrentar sozinho a ira daquele monstro.

– Ness, saia daqui. Vá com eles para Volterra, não é seguro… – Gritou Alec por sobre o ombro.

– Alec, você tem que se afastar. Você não vai conseguir segurá-lo por mais tempo. – Minhas palavras confundiam-se com os rugidos que rachavam nossos ouvidos. Enquanto eu me obrigava a pensar num modo de tira-lo dalí, eu novamente me surpreendi olhando para a criatura. Dessa vez porém, eu ouvi sua voz, e o quê ele me disse naquele momento, me seguiria por toda minha vida.

– Pare com isso! – Gritei, levando as mãos aos ouvidos. Senti uma leve agitação a minha volta, mas não podia saber quem era, embora tivesse uma turva sensação de que alguém gritava para mim. Minha mente era bombardeada por imagens perturbadoras e vozes que se misturavam à minha própria voz num turbilhão desesperado que engolfava meus sentidos. Os gritos desesperados de um homem ensurdeceram meus ouvidos, rasgando meus pensamentos como garras afiadas, e através de meus próprios olhos, eu me vi indo ao encontro dele. Alguém estava morrendo, eu podia sentir o cheiro de sangue no ar. O cheiro queimava meu corpo como se o próprio fogo estivesse vertendo de dentro de mim. Não era nada como o sangue dos aldeões, que misturava-se como sal e ferrugem, quente e viscoso, mas sangue é sangue, e eu estava faminto. Uma criatura gelada se aproximou de mim, e tinha um cheiro terrível, adocicado, tão forte que fazia minha cabeça doer e minhas narinas arderem. Ele trazia nas mãos um coração ainda pulsante, e através da escuridão e da dor que rachava minha cabeça, ele lançou o coração ainda quente para mim. Eu o engoli inteiro, rugindo com a fome abrasadora, enquanto ouvia os risos cortantes daquela coisa morta e gelada que me observava com olhos vermelhos. Por entre as grades que me enclausuravam eu vi o rosto imóvel da criatura que perdeu seu coração para saciar minha fome.

– Pare, pare! – Minha voz parecia longínqua embora eu estivesse gritando a plenos pulmões. E não importava o que eu fizesse, o rosto de Nahuel ainda permanecia ali, sob minhas pálpebras, como se eu mesma estivesse assistindo Aro arrancar seu coração e jogá-lo para a criatura, eu senti o gosto enquanto ele engolia o órgão ainda quente.

– Ness, pare com isso! – Alguém gritava para mim, eu não sabia se era real, mas a voz dissolveu a escuridão daquela cena terrível e logo eu pude ver Alec, jovem e humano, correndo por um caminho de pedra, sorrindo sinceramente sob a luz de um dia quente, e uma garotinha vinha logo atrás dele, e ela sorria também, os cabelos dourados ficavam ainda mais claros na luz. Seus grandes olhos azuis seguiam o pequeno Alec onde quer que fosse, e ele sabia que ela queria ser tão rápida e esperta quanto ele… Mas então o céu escureceu, e tudo em volta se tornou sombrio, os irmãos já não estavam mais ali. Grandes árvores ameaçadoras se fecharam sob mim, e em algum lugar eu podia ouvir passos leves e velozes sobre a relva baixa. Então eu vi três mulheres grandes e morenas correrem por entre as árvores, a primeira delas conduzia as outras por entre a escuridão e sem que pudessem perceber como, um bando de homens encapuzados saiu de dentro da escuridão, eles agarraram as três mulheres. Elas não conseguiram lutar, eles eram muitos, a primeira delas gritou de dor enquanto assistia as outras duas serem destroçadas, e antes que pudessem acender as piras para queimar seus restos, os homens levaram a mulher da selva pela escuridão adentro. Zafrina chorava sem lágrimas enquanto era levada pelo exército Volturi.

– Façam ela parar! – Gritava alguém repetidamente, enquanto um turbilhão de outras vozes e imagens rodopiavam em volta de mim. Eu não sabia mais aonde estava, eu estava perdida? Impossível, esse era o caminho, o mapa dizia exatamente a mesma coisa. Olhei em volta novamente, e com grande alívio eu vi a nossa campina se abrir diante de mim, um lugar de magia onde eu sempre poderia ir para encontrá-lo uma vez mais. Era lindo, a relva coberta por flores silvestres, o sol se pondo e o crepúsculo tingindo o céu, mas eu, estranhamente, a achei tão vazia e desoladora quanto um deserto estéril. Ele não estava ali, ele não voltaria jamais. A campina sem ele era nada mais que um amontoado de mato.

Essa será a última vez que você me verá…

Oh Deus, doía, como doía. Minha cabeça girava e era espremida por uma onda incessante de imagens e lembranças que se alternavam tão rapidamente que não me deixavam espaço para saber que era eu. Eu era o monstro comedor de corações? Era o pequeno Alec? Ou era Zafrina? Poderia eu ser Bella, abandonada por seu amor numa campina esquecida? Quem? Quem era eu nesse mar de memórias?

Uma torrente de imagens me envolveu e eu senti que elas me envolviam como fumaça, e eu estava sufocando. Senti que estava caindo, alguém comprimia meu tronco, um abraço gelado me envolvendo, uma película de luz caindo sobre mim como água fria.

– Ness, Ness… Volte para mim. Volte para sua mãe querida. – A voz suave soprava em meus ouvidos, e enquanto eu tentava alcançá-la, eu via mais e mais rostos e imagens passarem por mim. “Eu te amo Lavínia, e não vou te condenar a mesma maldição que me cerca.” “Não, não, por favor. Amun, não me deixe aqui, leve-me com você, eu quero ser seu filho, por favor…” “Eu nunca vou me perdoar por ter feito isso com você Emily.” “Eu te amo Renesmee, eu sempre te amei…”

– Ness! – Gritou minha mãe. Abri meus olhos, sem saber que eles estavam fechados. Eu ainda podia sentir o poder do escudo dela me envolvendo. Minha cabeça latejava de forma violenta, eu me sentia com a disposição de quem acaba de se lançar de um prédio de vinte andares. Olhei em volta, tentando me situar, tentando descobrir onde eu estava e quem eu era. Sim, eu era Renesmee, e estava bem aqui, no meio do pesadelo. Me sobressaltei ao ver que todos os lobos estavam em suas formas humanas, cambaleando entre os outros que colocavam-se eretos com alguma dificuldade, todos pareciam ter acordado de um desmaio.

– O quê eu fiz? – Sussurrei, e minha mãe apertou minhas mãos entre as suas. Jacob, que estava mais próximo de mim, olhou-me consternado.

– Agora está tudo bem querida, não se preocupe. – Minha mãe afagou meus ombros enquanto nos colocávamos de pé.

– Não, não está nada bem. – Zafrina se aproximou, seus olhos grandes faiscaram em meu rosto por um momento. – Bella, ela deve saber e compreender o que fez, ela quase matou a todos nós. – Me sobressaltei ao ouvir aquilo. – Ness, como fez aquilo? – Disse ela segurando-me pelos ombros e me lançando um olhar perscrutador.

– Eu… eu não sei. Eu estava olhando para a criatura e de repente ela olhou pra mim e a mente dele… Era como se ela me puxasse para dentro, e eu vi…

– Você viu Aro matando Nahuel e alimentando a fera com seu coração. Todos nós vimos Ness, é isso o quê você fez. Você roubou as lembranças de todos nós e espalhou pelas mentes ao seu redor. Você plantou pensamentos roubados em nós. – Enquanto Zafrina falava, eu via passar em minha mente rápidos fleshs, mas apesar de entender o que eu havia feito, eu não conseguia acreditar que aquilo pudesse ter matado alguém.

– Por quê você diz isso Zafrina? Por quê acha que eu iria matar a todos? – Minha voz tremia, eu sentia o olhar de todos caindo sobre mim. Zafrina ponderou por um momento e disse:

– Eu não sei se teria nos matado, mas Ness, desde a minha transformação eu não sinto uma dor tão abrasadora quanto essa que você nos impôs. Era como sentir o cérebro rachar ao meio e se incendiar a partir do centro. Eu não teria suportado mais um segundo daquilo. – De um em um, eu fitei os rostos em volta da clareira, e ao pousar meus olhos em Alec perguntei:

– Onde está o filho da lua? – Ele se aproximou, seu rosto transparecendo uma preocupação muda.

– Fugiu, se embrenhou no vale. Ele sentiu a dor também, e acredito que tenha visto tudo que vimos. – Assenti sem dizer nada, enquanto sentia um medo soturno crescer dentro de mim. Eu estava me tornando algo que nem mesmo eu sabia o quê era. Reuni o pouco de orgulho e caráter que ainda restavam em mim e, sentindo meu rosto corar, disse:

– Peço desculpas a todos vocês. Eu não… não sabia o quê estava fazendo. Não pude controlar, embora isso não desculpe o fato de tê-los exposto dessa forma. – Todos permaneceram em silêncio, o quê aumentou gravemente minha humilhação e vergonha. Eu não conseguia olhá-los de frente.

– Todos nós perdemos o controle às vezes. – Disse Jacob, e percebi quando ele lançou um olhar atravessado a Sam. – Ninguém aqui pode te culpar por perder o controle, ainda mais quando estamos numa situação como esta.

– Ele está certo. – Disse Willian, aproximando-se de mim. – Mas agora não importa mais. Precisamos ir atrás daquele monstro e queimá-lo de uma vez, não há tempo para considerações e cautela. Se não atacarmos agora, ele pode sumir, ou pior, pode nos caçar como…

– Como humanos? – Interrompeu Sam. Um esgar sombrio cruzando suas feições

– Como cachorros. – Provocou Willian, sustentando o olhar soturno de Sam.

– Sam, os outros precisam da sua liderança agora, você é o Alpha. – Falou Jacob. – Vamos seguir o plano anterior. Bella, Zafrina e Benjamin irão para Volterra, você deve mandar um bando para as montanhas…

– Eu sei o quê devo fazer Jake. – Resmungou Sam e com um tremor violento, o corpo moreno explodiu num lobo negro. Seguiram-se então mais quatro transformações, Paul, Embry e Quil se afastaram com Sam até a orla de árvores e um minuto depois se lançaram em uma corrida silenciosa pela floresta. Sam contornou o tronco de um abeto e de lá saiu caminhando na forma humana.

– Eu vou ficar, já que Seth está ferido e Leah terá de cuidar dele. – Olhei por sobre o ombro de Sam, onde, entre as arvores, Leah mantinha o corpo de Seth apoiado em seu colo. Seth tinha as duas pernas quebradas e várias costelas fraturadas, mas estava consciente e nos observava de longe.

– Acha que pode cuidar disso? – Ouvi minha mãe perguntar a Alec discretamente enquanto mais planos eram traçados por Zafrina e Willian.

– Ele não deve estar longe, só precisamos chegar perto o bastante para que eu o desoriente por um momento, e então, acendemos a pira. – Minha mãe assentiu, silenciosa, enquanto lançava um olhar ininteligível para mim. Ela não estava questionando o poder de Alec de deter a criatura, mas sim de lidar comigo e com esse novo e incontrolável poder que estava brotando em mim, se desenvolvendo tão rapidamente, que eu não tinha tempo sequer de percebê-lo se manifestar. Vendo que eu a observava, ela não voltou a falar e simplesmente veio até mim e me beijou na testa, dizendo:

– Você devia vir comigo.

– Eu logo estarei com vocês novamente. Preciso fazer isso, prometo que vou ter cuidado. – Eu não queria fazer nenhum tipo de promessa ou dizer que ficaria tudo bem, mas o quê mais eu poderia dizer a minha mãe quando ela me olhava daquela forma? Ela ponderou por um momento, e eu cheguei a achar que ela tentaria me levar com ela de qualquer forma, mas ela nada disse ou fez.

– Cuide-se e volte para mim assim que puder. – Disse ela, enquanto se afastava e seguia com Zafrina e Benjamin para as ruínas de Volterra.

– Ness, precisamos nos apressar. – Disse Jacob, colocando a mão em meu ombro. Respirei fundo o mais discretamente que pude e disse para mim mesma que eu me manteria sob controle. Estava temerosa, e receava que aquela não seria a última vez que eu me veria perder o controle de minha própria mente. Enquanto caminhava silenciosa ao encontro dos outros, ouvi Sam dizer á Leah:

– Você vai ficar bem? Já mandei Jared vir para cá para ficar com vocês, ele chegará em breve. Se cuide Leah, e cuide de Seth por mim. – Me sobressaltei ao ver Sam acariciando o rosto de Leah, com uma ternura que eu o vira usar apenas com Emily. Leah o olhava sem dizer palavra, o olhar torturado preso no rosto de Sam como quem implora algo. Desviei o rosto daquela cena e numa rápida passagem pela clareira a minha volta, meus olhos se encontraram com os de Alec. O manto negro havia sido quase completamente destruído, obrigando-o a se livrar dos farrapos. Agora, porém, sua pele contrastava acentuadamente contra a camisa preta, que a despeito das mangas rasgadas, deixava seus braços longos e esguios nus. Também não era seguro olhá-lo, nem tampouco confortável me recordar de que já o havia beijado, de modo que me senti agradecida quando todos se reuniram para a iminente caçada que se seguiria.

– O rastro dele vai para o norte, talvez esteja indo para as montanhas. – Disse Willian, enquanto nos reuníamos para partir.

– É possível, e se ele não fizer nenhum desvio vai dar de cara com Jasper e Emmet. – Concordou Jacob. – Então aí o encurralamos.

– Não vai ser tão simples assim, você viu como ele reage quando está sem saída. – Eu percebi que Alec tentava não pousar os olhos em mim com tanta freqüência como fazia, enquanto falava, ainda mais com Jacob a meu lado, e no meio dessa disputa de olhares eu me via de cabeça baixa, escutando e tentando não me sentir tão desconfortável com aquilo.

– Temos que considerar a hipótese dele desviar e descer o vale até a cidade, há famílias morando no campo, pouco mais de dez quilômetros daqui. – Sam mantinha a voz firme enquanto falava, e percebi, ao olhar para ele, que Sam não se sentia nem um pouco a vontade com a proximidade de Willian e Alec, e talvez até mesmo com a minha.

– Acho pouco provável. – Respondeu Alec. – Não perceberam o incômodo dele com a luz do sol? Ele é uma criatura noturna e já é um mistério o fato dele estar andando por aí em pleno dia, geralmente essas criaturas dormem durante a lua minguante e só despertam no quarto crescente para se banquetear durante os sete dias da lua cheia. Por mais faminto que esteja, ele não vai correr pelos campos de trigo quando o sol está a pino. Ele vai para as montanhas, onde há grutas geladas durante todo o verão.

– Como sabe tanto sobre essas…coisas? – Indagou Jacob, e eu não pude deixar de perceber a nota de desconfiança que pontilhou aquela pergunta, nem creio que Alec o tenha deixado passar despercebido.

– Eu tive muitos anos para saber e conhecer muitas coisas. – Respondeu Alec num tom brando.

– Me parece, e não sei se vocês concordam comigo, que o fato do filho da lua ter abandonado suas tradições, tem alguma coisa a ver com aquela cena grotesca com que Ness nos presenteou. – Interveio Willian, olhei-o, sobressaltada por ter meu nome destacado naquela conversa novamente, e ponderando por um momento, eu concluí que não poderia discordar dele, nem ignorar o fato de que Aro deveria ter bons motivos para ter preparado tudo aquilo, tal como vi na mente da criatura, mesmo com as tendências teatrais e todo ar rebuscado de Aro.

– O coração. – Disse eu. – Acha que tem alguma ligação com essa mudança de hábito?

– Acho que o fato de Aro ter escolhido o coração meio imortal de um mestiço, não pode ser inteiramente ignorado por nós. Ele tinha alguma finalidade com aquilo, disso eu tenho certeza. – Willian me encarou, e eu não pude deixar de notar que ele havia destacado especialmente o fato de Nahuel ser um mestiço, como eu. – Bem, pelo menos sabemos agora o quê o interessava tanto em você minha cara, uma vez que mestiços estão em falta no mercado. – Disse ele.

– Maldito. – Grunhiu Jacob.

Silenciosamente, eu tecia minhas próprias teorias sobre os interesses de Aro, mas não podia deixar de concordar com a lógica de Willian.

Todas essas considerações se firmaram num prazo de poucos minutos e logo estávamos correndo pelo vale esverdeado, com a luz do sol penetrando as árvores grandes e antigas. Jacob e Sam assumiram a dianteira, suas patas enormes rasgavam o solo úmido enquanto cravavam suas passadas rápidas na relva. Alec e Willian seguiam comigo logo atrás numa marcha acelerada, todo som, todo cheiro, todo rastro era registrado, levando-nos, como dissera Alec, para as montanhas que circundavam Volterra. Quanto mais perto chegávamos, mais os odores da criatura se fundiam com a fumaça pesada das piras que ainda queimavam em vários pontos, dentro e nos arredores da cidade. Olhando para a depressão que acomodava a pequena e devastada cidade de Volterra, eu imaginei onde estariam meus pais, mas tive que deixar meus temores para outra hora, e me concentrar no rastro de poucos minutos que contornava a montanha pela base, subindo poucos metros de sua encosta íngreme.

– Fiquem atentos. – Murmurou Alec. – Ele sabe que estamos aqui.

Uma brisa fresca varria a encosta, agitando a orla de árvores e levantando a fumaça negra das ruas mortas de Volterra, por um breve momento senti um traço de um cheiro familiar, mas não conseguia segui-lo ou detectá-lo, e o rastro se dissipou no vento.

– Tem mais alguém aqui. – Eu disse, tentando encontrar aquele tênue rastro que se confundiu no ar. Willian e Alec trocaram olhares atribulados enquanto procuravam captar algum rastro, e foi vasculhando cada ínfimo indício de presença, que subimos a encosta escarpada dos morros de Volterra.

– É Jasper e Emmet, eles estiveram aqui não faz mais de quinze minutos. – Falei, inspirando o ar quando já adentrávamos as primeiras fendas da montanha. O cheiro de Jasper se espalhava por toda a entrada da caverna e penetrava fundo na montanha.

– Será que encontraram a criatura? – Perguntou Willian.

– Não acredito que tenham, nós teríamos ouvidos os barulhos da luta. – Respondeu Alec. Olhei para entrada da caverna que ficava cada vez mais para trás, a luz do dia morrendo sob as pedras que fechavam-se sobre nós. O caminho estreito não permitiu que Sam e Jacob entrassem, tendo eles que dar a volta na encosta até o outro lado e seguir o rastro por fora, caso a criatura tivesse encontrado uma outra entrada. Alec, Willian e eu seguimos o rastro de Jasper e Emmet por dentro, e eu não conseguia deixar de sentir a presença de mais alguém, embora o cheiro me parecesse tão distorcido e modificado.

Nós estávamos no meio da caverna quando os rugidos da criatura soaram na superfície, reverberando pelas paredes internas da montanha.

– Por aqui. – Gritou Alec, arrebentando um dos recôncavos da caverna e abrindo uma passagem improvisada para um túnel adjacente. Corremos desenfreadamente pelo túnel cada vez mais estreito, até que avistamos a luz do dia se estender a nossa frente. Os urros da fera misturavam-se ao dos lobos e ecoavam pelas pedras como se essas conduzissem sua ferocidade diretamente para nós. Antes de cruzar a passagem, percebi com um estalo que era o cheiro de Alice que eu vinha sentindo, e nem ao menos tive tempo de pensar sobre isso, e já estávamos do lado de fora, frente a frente com a criatura erguendo-se nas pernas traseiras e sibilando furiosamente contra Jacob, Sam, Emmet e a pequena Alice que se retraía ao lado de Jasper. Minha respiração se conteve ao vê-la, e se não fosse a seriedade e urgência da situação, nada teria me impedido de correr para abraçá-la.

Alice olhou-me aturdida, seu rosto pequeno se contorcendo numa máscara de pânico. Eu podia ver seus olhos se perderem nas inúmeras possibilidades que se abriam em sua mente, e por um instante eu imaginei se nossa chegada havia bloqueado suas visões. Minha presença, bem como a interferência dos lobos, mudava tudo na perspectiva das visões de Alice, e ela agora estava cega para o que viria a seguir.

Não houve muito tempo para conversas ou estratégias, tão logo nos reunimos, deu-se início uma seqüência de ataques coodernados, sucessivos e extremamente violentos. Jasper avançou com tudo, inspirando Emmet a segui-lo em suas investidas pouco ponderadas. Sam e Jacob não ficaram para trás, e logo eu quase já não podia acompanhar tudo que se sucedia naquela cena terrível.

– Eles vão se matar. – Gritou Willian para Alec, que mantinha-se logo atrás da luta, tentando enlaçar a criatura em sua rede de torpor.

– Recuem. – Gritava Alec, mas ninguém o ouvia, exceto eu.

Eu podia sentir o quão mortal e sanguinolento a luta se tornava a cada momento, e mesmo assim obrigava-me a não desviar o olhar. Jasper investia com toda fúria contra a criatura e suas habilidades em combate o renderam vários golpes de êxito que fizeram a criatura sangrar em vários pontos de seu enorme corpo deformado. Mas isso só parecia o enfurecer mais, e em dado momento, eu pude extrair uma pequena parcela de escuridão de sua mente, e então eu sabia que ele agora estava tomado pela sede de morte e destruição.

Olhei para Alice. Ela estava imóvel, observando, aterrorizada, o desfecho sangrento daquela luta. Eu não sabia se ela se dava conta do quão próxima ela estava do combate, e antes que ela fosse pega pelo turbilhão de golpes que a teriam destroçado, eu me lancei em direção a ela e cheguei a tempo de tirá-la dali. Mas então algo aconteceu atrás de nós, e ao me virar, não consegui assimilar de imediato o quê acontecera e meio segundo após, Emmet foi lançado nas pedras, os braços parcialmente arrancados de seu corpo. Um estrondo sucedeu o impacto e o barulho me fez acordar para o fato de que aquilo era real e estava acontecendo bem ali, a alguns metros de mim.

– Emmet! – Gritei, sem saber ao certo o quê fazer ou o quê pensar. Ele ficaria bem, não é? Ele se restabeleceria em alguns minutos, certo? Minhas pernas ameaçavam ceder a qualquer momento, e com algum esforço eu me obriguei a me manter firme, não importa o quê houvesse. Alice estava trêmula em meus braços, de modo que tive que ampará-la junto a mim, não podia deixá-la. Mais uma explosão de fúria chamou minha atenção para a luta, e dessa vez eu vi Willian e Sam sofrerem sério golpes e serem arremessado para longe. Jasper investiu, Jacob o seguiu de imediato, cercando a criatura. Alec se aproximou, os olhos focados em seu propósito de abrandar a fúria do animal, mas não parecia que seria o bastante dessa vez, não quando Jasper e Jacob o estavam ferindo tanto.

Num último urro de dor e ódio, a criatura agarrou Jacob pelo pescoço e lançou-o de encontro a Alec. Meus olhos seguiram o corpo grande e peludo de Jacob ir de encontro às árvores e Alec desviar do golpe que receberia se fosse atingido e quando voltei meus olhos para a criatura, eu vi o corpo de Jasper ser levantado no ar. A pata dianteira atravessou o peito de Jasper, eu vi suas costas arquearem e seu rosto perder a expressão. Enquanto Alice gritava ao meu lado eu só pude sentir a dor dela alcançando minha mente, e quase como um instinto inevitável de destruição, eu me propaguei para dentro da mente da criatura. Ele largou o corpo abatido de Jasper e dobrou no chão com a dor que irradiava de seu cérebro primitivo. Era como segurar um laço de calor que se estende até a outra mente, queimando ambos os lados da linha tênue que nos unia, comprimindo nossos pensamentos numa só caixa de escuridão e dor. Eu não sabia como manter a ligação por muito mais tempo, e enquanto a sentia escorregar e oscilar, eu senti que meu corpo ia de encontro à criatura que se contorcia de dor.

E então eu estava fora da mente dele, perdendo por completo a ligação que me mantinha dentro dele, e ele, dentro de mim. Os olhos negros e vazios da criatura me fitavam enquanto eu me aproximava, e desviando meu olhar dele por um momento, eu vi o rosto de Jasper se contorcer e seu corpo reagir, tentando se juntar novamente. Apenas alguns passos me separavam da criatura, embora eu não soubesse o quê faria de fato quando estivesse cara a cara com ele. Eu estava quase alcançando Jasper quando ele avançou bruscamente e o abocanhou, içando-o pelo ombro e o arrastando com ele para a encosta da montanha.

– NÃO! – Ouvi Alice gritar, enquanto permanecia paralisada, vendo-o arrastar Jasper para as ruínas de Volterra, e sabendo, com um aperto de aço comprimindo meu peito, que seu veneno já corria pelas veias de meu tio.

 

14 opiniões sobre “Rising Sun Cap 39 Céu Vermelho”

  1. vanessa sobrinho disse:

    ta muito,muito,muito bom.fiquei arrepiada.gostei muito do suspense,e eletrizante.posta mais.

  2. O próximo será o último cap. e será narrado por Edward.
    Mas não desanime, depois terá ainda um Epílogo que será narrado por Nessie como toda a história! Agora é só esperar nossa autora disponibilizar os cap…..

    bjos e obrigada por ler e comentar!

  3. laisse santana disse:

    bem, como eu já comentei no outro site, ta kda dia melhor, alías, melhor impossível. affs to aki anciosa pelo final. eu sei q pode haver continuação, más quando é que o mistério né!! rsrs mas tudo bem eu aguardo anciosamente por tudo
    bjux!!! há uma coisa como consigo a antiga capa da fic? eu gostava dela e keria as duas aki, a nessie é linda!

  4. A antiga capa da fic tá aqui na página Rising Sun, é só clicar lá que ela aparece! daí é só copiar……

  5. Tadinho do Jasper… é essa fic ta mto boa, pena ke ja ta acabando… demorei pra achar esse blog, mas pelo menos eu nao morro de curiosidade e o proximo capitulo ja ta la, me esperando…
    Beijao, Le…

  6. Biah Cullen disse:

    Nossa, essa fic é maravilhosa. A melhor de todas. Coitado do Jasper. Já vou ler o proximo capitulo isso é bom demais. \o/

  7. aiii ta muito legal a i obrigada vc laninhacullen por postar isso
    beijao!!!

  8. I S2 TWILIGHT disse:

    Coitado do Jasper espero que ele sobreviva

  9. ainda estou pensando em alec D:

  10. obrigada e demais vc e boa.

  11. Gessica cullen disse:

    Que peninha do jasper =<

  12. Puts cara e agora
    to sem palavras

  13. socorro lobo disse:

    espero que o final ñ acarrete mais mortes, triste fim de nahuel.

  14. Vivian P. Freitas disse:

    O jasper não!!!!!

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