Rising Sun cap 24 Herança


 

24. Herança

Por um instante eu oscilei, senti-me nas bordas, prestes a cair, prestes a afundar. Por um instante eu ví o fim passando diante de meus olhos fechados. Por um instante eu perdi todas as minhas esperanças.

Senti as mãos frias de Aro pressionarem meu rosto, firmes, enérgicas… Senti a proximidade de seu rosto, o cheiro adocicado de sua pele, a suavidade que era ao mesmo tempo impressionante e aterrorisante. Ouvi o silêncio que nos rodeava, senti os olhos dos expectadores presos em nós, senti a tensão de alguns e a excitação de outros.
Eu não poderia dizer quanto tempo se passou antes de Aro soltar-me, apenas senti quando suas mãos frias deslizaram de meu rosto, caindo impotentes ao lado de seu corpo. Agradeci silenciosamente quando concluí que terminara, pelo menos não me machucou, pelo menos não senti nada como o ataque de Jane na clareira.
Lentamente abri meus olhos, com medo do que veria. Aro ainda estava parado em minha frente, à um passo de mim, a cabeça baixa, os olhos fixos e sem vida pregados no chão. Eu não sabia se aquilo era um efeito colateral das visões dele, talvez ele ficasse um pouco desorientado depois de penetrar na mente alheia, mas então olhei para Jane, e ela parecia tão… tão chocada. Mas por quê diabos Jane estaria chocada com algo? Seu rostinho angelical estava lívido, seus olhos que mais pareciam dois rubis, estavam absortos no rosto de Aro. Fiquei alí, encarando os rostos aturdidos de Aro e Jane, sem saber ao certo o que esperar ou o que pensar daquilo. Aro levantou a cabeça, devagar e pausadamente, até que seus olhos opacos encontraram-se com os meus. Senti um arrepio gelado percorrer meu corpo. A expressão no rosto dele era um misto de muitas coisas, medo, raiva, exasperação, choque, e finalmente satisfação. Podia ver as engrenagens de seu cérebro funcionando enquanto essas transformações ocorriam em seu rosto macilento bem diante de meus olhos.
Não consegui desviar os olhos do rosto de Aro, e de alguma forma aquilo estava me assustando. Não sabia o que esperar, não sabia o que pensar, apenas tinha uma vaga consciência de que algo estava errado.
Você herdou os poderes dela! – Sussurrou Aro, encantado. Havia uma sentelha assustadoramente brilhante em seus olhos leitosos, e o jeito como ele pronunciou aquelas palavras me fez ficar ainda mais desconfiada. Que diabos ele queria dizer com aquilo? Eu não tinha feito absolutamente nada.
O-oque disse? – Perguntei atônita. Aro encarava-me com um júbilo doentio, seus lábios pálidos esticando-se em sua face, sulcando as bochecas e os cantos dos olhos com pequenas rugas.
Não, isso é impossível. Ela não é imune à mim, eu sou tão eficaz nela quanto em qualquer outra pessoa. – Disse Jane. Uma pontada de desespero e incredulidade tingindo sua voz aguda. Aro olhou para ela, os olhos astutos passando por seu rosto apenas por um segundo antes de se desviar para Caius e Marcus. Então ele caminhou até seu trono, onde sentou-se e ponderou em silêncio sobre algo que eu não fazia idéia do que era. Olhei para Alec, imóvel ao lado de Aro, seu rosto delicado estava retorcido com a mesma expressão confusa de Jane, mas seus olhos estavam levemente mais tranquilos. Para onde quer que eu olhasse, eu encontrava um par de olhos vermelhos a me encarar. Eu estava prestes a berrar minhas perguntas tão alto quanto eu conseguisse quando Aro falou:
Pode ser uma variação, uma combinação dos poderes de ambos. – Aro ponderava sozinho, como se não houvesse mais ninguém alí. Marcus observava-o entediado e Caius esforçava-se para entender algo. Jane estava ainda no mesmo lugar, com a mesma máscara desolada em seu rosto, era como se seu orgulho estivesse ferido, como se a superioridade dela estivesse seriamente abalada.
Não entendo Aro, o que tem a garota? – Retorquiu Caius, desistindo de tentar acompanhar o raciocínio precário de Aro.
Não vê meu irmão? – Perguntou Aro. – Eu não pude entrar na mente dela. Ela está me bloqueando. – Senti novamente a sensação de soco no estômago. Quantas vezes mais eu iria sentir-me assim? – Ela herdou o poder da mãe dela e parece nem mesmo ser consciente disso. – Ele parou, analizando-me mais uma vez. – Mas por alguma razão ela não é imune à Alec ou a Jane como Bella, mas é imune à mim. Consegue ver a poesia nisso meu irmão? – Aro gargalhou. Senti a sensação de déja vú se instalar em minha mente, aquela mesma gargalhada felina explodindo no céu azul de meu sonho, aquela mesma sensação de profundo contentamento na voz daquele demônio. Ele só poderia estar ficando louco. Eu não tinha herdado nada além dos olhos marrons de minha mãe. Meus poderes não tinham nenhum traço do poder dela, eu não poderia tê-lo bloqueado assim como não fui capaz de bloquear Jane ou Alec. Contudo, não abri minha boca, por quê ao mesmo tempo que percebi que Aro estava terrivelmente enganado, percebi também que algo maravilhosamente útil havia acontecido. Ele não entrou em minha mente, ele não viu todas as coisas que vi e pensei. Ele ainda estava no escuro em relação à mim, e isso… Isso era um milagre impossívelmente bom e completamente incompreensível. Não importava. Eu estava à salvo por mais alguns instantes, e isso era mais do que eu tinha à dois minutos atrás.
Conseguem ver a ironia nisso irmãos? – Ele continuou enquanto olhava desvairadamente em meu rosto. – A filha de Bella é a única que pode me dar o que quero, e eu sou o único que não pode tocá-la. – Aro suspirou, o medo lutando com a satisfação em seu rosto ofídico. Eu realmente não entendia a razão daquele júbilo. Ele deveria estar muito zangado com o fato de não poder arrancar de mim minhas lembranças e pensamentos, mas apesar da ponta de frustração em seu rosto, havia também uma satisfação soturna que eu não compreendia.
Isso é possível Aro? – Perguntou Caius desconfiado. Aro encarou-me mais uma vez, perscrutando meu rosto.
Creio que essa seja a única explicação. Contudo, vou mantê-la aqui para mais alguns testes. – Olhei atônita para ele, eu não gostava de como aquilo soava. – Ah, que ótimo. Finalmente. – Aro levantou-se, ignorando minha presença por um momento. Segui seu olhar até a porta principal e senti meu coração afundar quando vi a figura alta e esguia aproximando-se em passos firmes e hostis.
Zafrina. – Soluçei, sentindo minha garganta se fechar. Ela esboçou um leve sorriso para mim e continuou caminhando vagarosamente com Demetri em seu encalço.
Olá minha criança. – Saldou ela quando aproximou-se de mim. Eu queria abraçá-la, tocá-la como eu fazia antigamente e mandar meus pensamentos para ela daquela forma que só nós duas sabíamos fazer. Mas ao mesmo tempo senti uma tristesa profunda ao ver como ela estava abatida. Seus rosto sempre tão expressivo estava agora tão suavizado e vazio, como se todas as linhas de seu rosto tivessem se apagado gradualmente. Os olhos grandes e vermelhos estavam desbotados, como se o fogo que vivia alí tivesse sido soprado por uma brisa implacável.
Minha querida. – Chamou Aro, interrompendo nosso momento. Nosso olhar silencioso se quebrou quando ela lentamente ergueu seus olhos até ele. – Agora vê como cuidei bem dela? Nunca deixo de cumprir uma promessa. – Gabou-se Aro, sentando-se novamente em seu trono. Zafrina não respondeu, fiquei olhando para ela, obrigando-me a memorizá-la enquanto Aro despejava sua ladaínha de sempre.
– … mas vamos ao que interessa. – Pausou Aro. – Demetri, leve Renesmee à seus novos aposentos, creio que ela esteja bastante cansada. – Olhei de esguelha para Demetri e de volta para Aro. Atrás dele Alec moveu-se desconfortavelmente.
Posso fazer isso. – Disse Alec. Aro esboçou um sorrisinho.
É claro que pode. – Riu ele. – Mas preciso que você faça algo para mim. Ademais Alec, sossegue, Demetri cuidará bem de sua amada. – Senti o sangue agrupar-se em minhas bochechas. Por quê Aro sempre tinha que fazer piadas com aquilo? Alec era um assunto bastante delicado para mim. Eu não sei se gostava dele, mas tinha certesa de que não o amava, embora devesse minha vida à ele. Trocamos um olhar rápido e tímido, no qual eu pude ver claramente sua preocupação comigo, e o que tornava tudo mais embaraçoso é que aquele olhar só existia quando eu estava presente. Para todo o resto, Alec ainda era o vampiro perigoso que executava as leis de Aro. Eu era sua fraqueza e sentia-me mal por isso. Olhei para Zafrina mais uma vez, sem saber ao certo se voltaria a vê-la e de súbito algo me ocorreu.
Quero ver Alice. – Meu pedido saiu mais como uma ordem, mas eu não me importava. Aro me encarou por um momento, desconcertado. Ele certamente não contava com aquilo, por quê em tese, eu não deveria saber sobre a prisão de Alice. O silêncio envolveu a cena mais uma vez, e eu me senti meio temerosa.
Entendo. – Resmungou Aro. – Não há como guardar segredos entre essas paredes, não mais. – Brincou ele. Apesar do sorrisinho descontraído que Aro tentava manter em seu rosto, eu podia ver a insatisfação brilhando por trás de seus olhos. – Paciência minha cara Renesmee, paciência. Tudo em seu tempo. – Disse ele, e com um gesto vago, ordenou que Demetri me levasse. Senti as mão frias e impossívelmente rígidas envolverem meu braço e de imediato afastei-me dele.
Sei onde é a saída. – Sibilei. O rosto imaculado de Demetri não demonstrou nenhum aborrecimento, seus olhos carmim pareciam ter vida própria, faíscaram em meu rosto por um segundo e depois voltaram-se adiante novamente. Uma paciência inabalável aquele alí tinha. Caminhei sem olhar para trás, sentindo a presença opressora de Demetri seguindo-me de perto. Quando deixamos o salão, e a luz perolada da antesala nos atingiu, me permiti analizá-lo um pouco mais e logo percebi que da primeira vez que o tinha visto, naquele mesmo dia mais cedo, eu realmente não tinha reparado nele, por quê parecia impossível que eu tivesse deixado passar o que estava vendo agora. Era terrível.
As mãos, o pescoço delicado, o rosto pálido… Demetri tinha cicratizes por toda parte. A imagem de Jasper voltou-me a mente nitidamente e com ela as histórias que explicavam as velhas cicatrizes. Mordidas de nossa espécie marcam para sempre, até mesmo nossa pele imortal. E sem que eu pensasse muito sobre aquilo, eu logo entendi de onde vinham aquelas marcas. Se os Volturi estavam caçando os aliados de minha família durante aquele tempo todo, em quantas lutas Demetri não esteve envolvido? Um rastreador sempre lidera o contingente ofensivo, está sempre na linha de frente, era bem óbvio de onde vinham aquelas marcas.
Diga-me. – Falei, enquanto o elevador nos levava para o andar inferior. – Quem foi que colocou os dentes em você primeiro? Aposto que foi Amum, aquele turrão, ah pensando bem, acho que não. Ele era muito covarde para isso. Talvez tenha sido Garrett, ele não foi muito com a sua cara da última vez. – Eu realmente não deveria provocá-lo daquele jeito, até por quê Demetri sempre me deu medo. Ele me olhou, sem nenhuma expressão em seu rosto arruinado, e para minha surpresa falou:
Zafrina. Ela foi a primeira. E quer saber quem foi o último?. – Ele ergueu o suéter e expôs uma cicatriz enorme em seu abdome. – O transmorfo que você tanto ama! – A cicatriz não tinha o formato de meia lua nem era meio brilhante na luz opaca, era uma linha grossa que começava no tórax e terminava onde começava a baínha da calça de Demetri. Eu podia imaginar a enorme pata dianteira passando de raspão alí, as garras que mais se pareciam com adagas, arranhando a pele de mármore. Podia imaginar o rugido bestial cortando o céu e os pêlos castanho avermelhados eriçando-se nas costas. Mas o que foi mais brutal e doloroso de se lembrar: o rosto dele. Tão nítido e perfeito que não pude deixar de evitar que uma lágrima escorrece pelo canto de meu olho. Eles tinham lutado. Demetri estava aqui. Ele só podia estar morto!
***
As velas tremeluziam, produzindo sombras nas paredes de pedra. Eu poderia imaginar milhares de formas alí, mas minha mente não conseguia se prender em nada, estava perdida num mar de dor, minha esperança tentando inutilmente não se afogar. A cama de dossel entalhado parecia mover-se sob mim, como num colchão de areia movediça. Eu sabia que estava me aproximando do desespero e que aquele era talvez o pior momento para deixar que isso acontecesse. Me enrosquei feito uma bola nos travesseiros de plumas e nos lençóis de seda, tentando não ceder àquela dor que já corroera muitas partes de mim. Sentia sede, minha garganta queimava, mas de alguma forma essa queimação parecia apenas um eco enfraquecido do fogo que consumia meu peito. As lembranças me voltavam como pancadas diretamente em meu peito, tirando-me o ar. “Finja que é meu coração”, disse ele uma vez, a floresta nos rodeando por todos os lados, a voz rouca cortando a noite, ele estava chateado. “Essa é a sensação. Como se meu coração tivesse sido espremido”. Sim Jake, eu sei como você se sentiu aquela noite, embora eu saiba de alguma forma que meu coração morreu com você esta noite.
Uma batida na porta, a frágil chama das velas iluminando o visitante inesperado que não esperou minha permissão para entrar. Eu estava de costas para a porta, mas ouvi seus passos descuidados demais para um imortal, aquele cheiro agridoce, aquela intromissão desprecavida. Quem mais poderia ser?
O que quer Willian? – Resmunguei entre os travesseiros. Ele sentou-se na beirada da cama e nada disse. Ficou olhando para a chamas vassilantes das velas, escutando minha respiração descompassada, meu coração um pouco mais veloz que um coração humano…
Sentei-me também, apoiando minhas costas na cabeceira ricamente esculpida da cama em estilo italiano. Olhei-o silenciosamente, esperando que ele dissesse algo e desejando muito que ele não o fizesse. Ele apoiou os cotovelos nas pernas longas e levou as mãos ao queixo, parecia estar mergulhado em pensamentos. Pela primeira vez vi seu rosto desprovido daquela máscara de escárnio e o que restara era puro sofrimento, quase tão amargo quanto o meu.
Esse costumava ser meu quarto quando eu era garoto. – Disse ele taciturno. – Lembro-me de esconder meus soldadinhos embaixo daquela táboa solta. – Ele apontou um relevo no assoalho envelhecido. – Ás vezes eu esquecia aonde os colocara, então minha mãe vinha e encontrava-os para mim. – Ele sorriu consigo mesmo, olhou para mim por um instante e percebendo minha pergunta muda ele disse:
Ela está morta. Eu a matei.

2 opiniões sobre “Rising Sun cap 24 Herança”

  1. I S2 TWILIGHT disse:

    Sem palavras…

  2. uou

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