Rising Sun Cap 40 Imortais


Rising Sun – Último Capítulo [Completo]

Antes de mais nada, quero lembrá-los que semana que vem teremos o Epílogo. Tecnicamente, Rising Sun acaba aqui, mas eu aconselho a todos que leiam, pois o Epílogo vai contar coisas importantíssimas sobre o destino dos personagens e tbm vai introduzí-los numa possível continuação. A votação será aberta novamente e vcs decidirão se Rising Sun terá continuidade.

Para as pessoas que, antes do término deste capítulo, já reclamavam e criticavam o desenrolar da história, eu peço que, enquanto estiverem lendo, se coloquem no lugar da protagonista. Para quem acha que há muitos “buracos”, apenas tentem se imaginar passando por tudo que narrei nessas páginas. Reforço ainda a idéia de que, somente após o Epílogo, Rising Sun pode ser considerada finalizada. Agradeço a todos que acompanharam desde os primeiros capítulos e que sempre deram seu apoio e incentivo. Você tornaram isso possível. Aproveitem o capítulo e deixem seus comentários! Grande abraço, Anna Grey!

 

Cap 40. Imortais

Meu primeiro impulso foi segui-lo, após aquele breve momento em que meu corpo se entorpecera de choque, eu me lancei na corrida mais desesperada de minha vida. Eu ainda podia ouvir os gritos de Alice ecoando atrás de mim, estremecendo o vale com aquela dor sem tamanho, e embora não pensasse em muita coisa enquanto seguia o maldito, minha mente se encheu daquela dor, nublou tudo, meus pensamentos, minha visão. Eu estava tão perto que podia vislumbrar o rosto lívido de Jasper sumindo a reaparecendo em meio às árvores, preso entre os dentes pútridos daquele monstro maligno. Podia também sentir Alec, logo atrás de mim, e Willian, seguido por Jacob. Todos estavam bem, afinal de contas, Emmet cuidaria de Alice, e Sam logo estaria conosco, seguindo o maldito. Mas por quê nada parecia bem para mim? Por quê eu não me sentia forte o bastante para ver as coisas por esse ângulo? Uma das coisas que Jasper me ensinou foi nunca baixar a guarda numa situação de risco, “não leve seu coração para uma batalha” dizia ele. Eu não estava dando muito orgulho para meu professor, eu suponho. Eu tentava pensar, tentava riscar alguma estratégia de última hora em minha mente, mas nada acontecia, e eu apenas ouvia essas vozes ecoando na minha cabeça, embaçando minha visão da realidade, como quando meu pai disse, naquela mesma manhã maldita: “O mesmo veneno que infecta humanos e os transforma, é capaz de paralisar um corpo imortal de forma irreversível. É talvez a única forma de morte que dispomos, além da fogueira.” E cada vez que essas palavras se repetiam dentro de mim, mais eu me sentia destruída, impotente, indigna de ter sido treinada por aquele homem que eu não pude salvar. E o quê eu faria então? Quando os alcançasse o quê eu diria à Jasper, antes de vê-lo silenciar para sempre numa semi-morte que todos nós desconhecíamos? Maldição, eu pensava, enquanto engolia com dificuldade o choro preso em minha garganta, meus olhos queimavam com as lágrimas que ameaçavam transbordar a qualquer momento.

Volterra estava a poucos metros de nós e eu não permitiria de forma alguma que ele levasse Jasper para aquelas ruínas fumegantes, sujando e envergonhando o corpo dele como se fosse um pedaço frio de carne. Os outros se aproximavam cada vez mais de mim, e eu pensei, o quê eles fariam? Estavam aqui para me deter caso eu desse uma de louca novamente? Dane-se, falei para mim mesma, se eu era a merda de uma aberração, podia muito bem agir como uma, eu já não me importava mais.

Que se danem todos eles, quero que vão para o inferno com sua proteção e cuidado. Arranquei um pequeno tronco enquanto passava pelas árvores, e por um breve momento de insanidade, eu não sabia ao certo o quê estava fazendo. Apenas fiz.

Esperei a silhueta asquerosa da criatura entrar em mira e arremessei. Quarenta centímetros de um galho de árvore um pouco mais grosso que meu punho. Foi direto, se projetou pelas folhas e arbustos com a força do meu ódio. Sorri quando ouvi o guincho de dor da criatura ecoar à minha frente e o cheiro de seu sangue subir ao ar como fumaça. Bingo!

Atravessou a perna direita na altura da coxa, e ainda estava lá quando eu o vi cambalear. Oscilou um pouco na descida, até pensei que largaria Jasper bem ali, mas o maldito continuou, sangrando e mancando, com a estaca fincada na perna e Jasper preso entre os dentes. Mas aí eu já não tinha dúvidas, não hesitei em arrancar outro galho de outra árvore, enquanto procurava uma outra maneira de acertá-lo e atrasá-lo. Era só o quê eu precisava, um momento, um pouco mais de sangue no chão. Eu nem ao menos via o quê estava agarrando enquanto desmatava o vale atrás do maldito filho da lua, eu arrancava tudo o quê minhas mãos podiam alcançar, errei algumas vezes, acertei de raspão em vários pontos de seu corpo, mas foi minha última estaca a mais sortuda, a premiada. Entrou até o talo. De onde eu estava, trinta metros atrás dele, eu podia ver o belo rombo que se abriu em sua barriga. O flanco direito esguichou sangue como um maldito champagne Krug*.

Ele desacelerou e eu fui direto para ele, quando apenas dez metros nos separava, ele largou Jasper no chão, lançando-o na relva, virou o corpo ensangüentado para mim e soltou um guincho ensurdecedor que soava como um misto de dor e ódio.

E se foi.

Cambaleando, ele continuou em direção aos portões de Volterra, que, embora queimados e semi-demolidos, continuava sólido e imponente, cercando um amontoado de cinzas. Mas eu já não podia segui-lo, eu tinha o que eu queria bem ali.

– Jasper. – Sussurrei, enquanto o segurava em meus braços. O sangue da criatura cobria suas roupas, e o cheiro era insuportavelmente forte e ácido. Alec e Willian cruzaram as árvores atrás de mim, um segundo depois Jacob saiu de lá na forma humana.

Estava acabado, eu pensei, examinando as fendas que se abriam por todo seu tórax, braços e ombros. O veneno se espalhava rapidamente, eu podia sentir o cheiro na pele dele, podia sentir a quentura se espalhando pelos membros gelados de Jasper.

– Temos que levá-lo daqui. Sam acaba de me avisar que os humanos já perceberam o quê houve com a cidade, os moradores não sabem como foram parar em Pienza e estão fazendo um pandemônio por lá. Logo a imprensa e a polícia vão cair como corvos aqui. – Disse Jacob com a voz embargada. Eu podia perceber o esforço que ele estava fazendo para ser prático, para se manter firme enquanto eu estava ali, impotente diante do corpo de Jasper.

– Não podemos deixar a criatura solta por aí enquanto os humanos estão por toda parte. – Disse Willian. – Se ele se alimentar de alguém, então teremos outro maldito filho da lua para lidar. Precisamos encontrá-lo Alec.

Eu ouvia aquelas palavras e entendia o quê significavam, mas não conseguia tirar meus olhos do rosto imóvel de Jasper. Os olhos âmbar me fitavam, e de alguma forma eu sentia que ele ainda estava ali. Seu corpo pendia inerte em meus braços, e olhá-lo daquela forma me custava tanto…

– Não…baixe a…a guarda. – Meu sangue gelou ao ouvir Jasper sussurrar aquelas palavras. Ele estava ali, ainda estava naquele corpo. Os outros emudeceram, Jacob se ajoelhou ao meu lado.

– Ele está vivo? – Perguntou ele, uma esperança crescendo dolorosamente em seu rosto.

– Sim, oh Deus, sim. – Falei, tremendo sob o corpo de Jasper. – Jake, me ajude aqui. – Passei um dos meus braços sobre Jasper, afim de acomodá-lo melhor. Levei meu pulso à boca e quando eu ia perfurar a pele, Jacob segurou meu braço.

– O quê está fazendo? – Perguntou ele.

– Jake, ele está muito fraco, talvez um pouco de sangue ajude-o a se recompor. – Falei, sem desviar os olhos do rosto de Jasper.

– Eu não sei se é uma boa idéia. – Respodeu Jacob.

– É a única que temos nesse momento. – Eu disse, puxando de volta meu braço, e, sem demora, fiz um pequeno corte em meu pulso. Deixei o sangue gotejar livremente sobre a boca semi-aberta de Jasper, seus olhos opacos me fitaram tranquilamente.

– Vamos lá Jasper, beba. Agora você pode, tem permissão para isso. – Tentei esboçar um sorriso enquanto falava, mas tudo que consegui foi uma careta de dor. – Vamos, beba. – Eu já não podia conter as lágrima, e uma após outra elas escorreram por meu rosto. – Por favor, beba, beba… – Jasper apenas me olhava serenamente, sua sede já havia secado, assim como seus olhos logo o fariam.

Eu chorei. Enquanto o segurava junto de mim, com meu sangue fluindo para dentro de seu corpo morto, chorar parecia a única coisa que eu poderia fazer por ele. E tudo piorou mil vezes mais quando Alice e Emmet nos alcançaram, eu tive que olhar nos olhos dela e entregar o corpo daquele que sempre fora sua vida.

– Eu sinto muito. – Eu falei, enquanto tremia por inteiro, vendo-a se curvar sobre o corpo de Jasper e o segurar em seus braços pequenos pela última vez. Alice não disse uma só palavra. – Eu sinto muito. – Quanta dor poderia caber num só coração? Eu ao menos fazia idéia do quanto Alice estava sentindo?

– Ele não está morto. – Disse-me ela enquanto eu me afastava com Jacob. Eu olhei aquele rosto pequeno, aqueles olhos infantis, e Alice apenas emudeceu, segurando Jasper em seus braços, o rosto vazio, tão morto quanto o dele. Mas eu não pude dizer nada a ela, não podia nem mesmo encará-la, então eu a olhei uma vez mais antes de seguir com os outros para Volterra. Eu tinha uma caçada para terminar, eu devia isso a Alice.

***

O chão de pedra estava negro, as casas queimadas até não sobrar nada, montes de escombros, a fumaça impregnava tudo, nublava o céu. Alec e Willian seguiam pela rua estreita, Jacob os seguia silencioso, suas patas grandes agitando a fuligem do chão enquanto passava. Do alto dos telhados que resistiram ao incêndio, eu os observava lá embaixo.

O rastro de sangue da criatura formava uma trilha de migalhas que nos levaram diretamente para ele. Estávamos tão perto que eu podia sentir o cheiro fétido de seu corpo. Ele havia perdido muita velocidade com os ferimentos, e agora corria desnorteadamente por Volterra, dando voltas, procurando por algo entre as ruínas.

Então, subitamente, ele começou a correr e correr, acelerando para o centro da cidade. De lá do alto que o vi mancar, ele não se curava tão rápido quanto os lobos, e isso era bom, significava que eu poderia feri-lo inúmeras vezes antes de mandá-lo diretamente para o inferno.

Comecei a correr também, me equilibrando nas vigas dos telhados e nos muros de pedra, a criatura aumentou o ritmo, eu saltei para o chão, me juntando aos outros. Estávamos quase alcançando o maldito quando a fumaça cedeu lugar a outros cheiros.

– Aro. – Murmurou Willian.

– E Jane. – Falou Alec.

– Meus pais estão aqui também. Ótimo.

Ouvimos a criatura grunhir, vozes se misturarem no vento, palavras que nos alcançavam como sussurros. E então alcançamos as vozes, e quase no mesmo instante eu vi o rosto de Aro e Jane do outro lado da praça. A fonte de pedra os separava de meus pais, Carlisle, Zafrina e Benjamin. Estavam encurralados feito ratos, não podiam contar com a criatura que sibilava enlouquecida para qualquer coisa que se movesse a sua volta. A cada passo que o monstro avançava em qualquer direção, Benjamin o atrasava fazendo voar tijolos de pedra e escombros perdidos pelo chão, a criatura já bastante ferida, grunhia e se afastava.

– Ah, vejam quem está viva ainda, minha querida Renesmee. E vejo que trouxe meu Alec de volta para mim. – Disse Aro do outro lado da praça. A torre da igreja pairava como uma grande sombra atrás de mim. Alec e Willian ao meu lado direito, Jacob no lado esquerdo, parecíamos algum tipo de grupo de reforços ou algo assim, mas eu me sentia distante daquilo tudo, só conseguia ver o rosto de Jasper em minha frente, aquela última imagem dele, eu só queria acabar com aquilo de uma vez e poder me sentar em algum canto e ficar de luto por ele.

– Cale a boca Aro, eu não tenho tempo para suas merdas agora. Tenho uma besta para queimar antes de você. Espere sua vez. – Eu falei, enquanto observava a criatura no meio da praça, pesando as possibilidades de aproximação. Aro riu, aquela risada enfadonha e desdenhosa.

– É justamente disso que se trata o nosso impasse aqui. – Disse ele satisfeito. – Veja bem, seu pai não pode encostar em mim enquanto não tiver certeza do que fiz com Alice, e ao mesmo tempo, ele não pode tirar o que quer de minha mente. – Um sorriso afetado brincou no rosto de Aro. – Entende o quê quero dizer minha querida? Vamos passar o resto de nossa eternidade aqui. – Disse ele exibindo uma satisfação soturna enquanto me encarava.

– Talvez não demore tanto quanto você imagina. – Falei, me movendo cuidadosamente em direção a meus pais. A criatura grunhiu, mas não se moveu de sua posição.

“Pai, nós encontramos Alice. Ela está com Emmet e…Jasper perto das montanhas.” Tentei organizar meus pensamentos de modo coerente, sem deixar escapar a pontada de dor que atravessava minha mente. Meu pai assentiu de modo discreto, deixando-me ver que entendia. Arrisquei mais alguns passos para perto deles, enquanto vigiava a criatura no centro da praça. Aro me observava do outro extremo, estava silenciosamente desconfiado de minha atitude. “Precisamos terminar logo com isso pai, os humanos estão vindo para cá.” Ele me olhou de esguelha, o rosto rígido como uma máscara, e deu seu primeiro passo em direção de Aro e Jane. Os outros o olharam confusos, sem saber o quê estava acontecendo ou o quê deveriam fazer, então eu continuei caminhando em direção a eles, e um a um, eu os toquei e transmiti as notícias. Minha mãe estremeceu quando viu em sua mente o rosto de Alice. Estava secretamente aliviada, feliz. Zafrina manteve-se inabalável, aquilo era algo normal para ela. Benjamin enrijeceu, Carlisle baixou a cabeça, ponderando consigo mesmo.

– O quê você está fazendo? – Murmurou Aro do outro lado, enquanto assistia a aproximação cautelosa de meu pai em sua direção. Uma pontada de pânico cruzou suas feições quando Jane se colocou em sua frente. Era agora, eu pensei, isso termina aqui.

***

– O quê está fazendo meu jovem? Não vê a tolice que está prestes a fazer? – Aro se movimentava, agitado, desconcertado com a expressão inabalável de meu pai enquanto se aproximava lentamente dele, Aro via o que todos nós estávamos vendo naquele momento: seu fim. Por mais que Jane pudesse protegê-lo por alguns poucos minutos, ela não seria capaz de enfrentar meu pai numa luta direta, não com seus poderes bloqueados por minha mãe, e Aro sabia disso. Eu só não entendia por quê Jane não fugia, por quê ficava ali, sabendo que iria morrer também? Não pude evitar olhar para Alec. Ele estava prestes a assistir a morte de sua irmã, sua única família mortal e imortal. Se eu não lamentasse tanto por Jasper, creio que teria lamentado isto.
Meu pai hesitou um pouco ao se aproximar do meio da praça, onde uma pilha de destroços obstruía o pavimento, ele chutou alguma coisa de seu caminho, e quando olhei novamente para seus pés, percebi que era a cabeça de Demetri ali, entre restos de casas e cinzas. Ele tirou algo do bolso também, em seguida falou, com a voz tranqüila:
– Sabe qual é o problema com os lobisomens Aro? – Ele acendeu o pequeno isqueiro prateado, arremessando-o na pilha de entulho diante de si. Aro o fitava sem nenhuma expressão legível nas faces. – Eles não se curam tão rapidamente quanto os lobos e não se juntam novamente como nós. Mas sua pior falha é… Eles sangram.
A pira acendeu com uma língua de fogo que se alastrou rapidamente, lambendo e estalando os cabelos dourados de Demetri, desintegrando as partes imortais que se confundiam com tudo o mais naquele bolo de escombros. A criatura soltou um guincho nervoso e tentou correr, Willian e Alec rapidamente se postaram nas saídas do círculo que formava a praça central de Volterra, obrigando a criatura a permanecer ali, onde seria queimada junto com os restos de Demetri. Pensei secretamente quem teria liquidado o rastreador Volturi, teria sido meu pai?
Aro, àquela altura, era uma estátua imóvel, observando todo seu castelo de cartas desmoronar diante de seus olhos gananciosos.
– Você não pode fazer isso. – Balbuciava ele. – Como irá recuperar sua irmã, hein? Como vai encontrá-la sem mim? – Sob o pequeno corpo de Jane, Aro recuava, diminuía, era patético. Era aquilo que Jane estava protegendo? Aquele verme covarde e desonrado? Eu não podia entender a obsessão dela.
– Alice está a salvo, Aro. Nessie a encontrou nas montanhas. Isso significa que você já pode morrer e pagar por tudo que fez. – Disse meu pai, retomando a caminhada tranqüila.
– Impossível. – Disse Aro, os olhos vermelhos quase pulando das órbitas. – Impossível.
Enquanto eu olhava o rosto lívido de Aro, eu senti um tremor me rodear, de súbito pensei ser Benjamin, mas logo percebi que o tremor vinha de dentro de mim e não do solo. Pisquei algumas vezes, reiterando o foco, respirando a fumaça pesada que emanava da pira à minha frente. Então meu coração acelerou o ritmo, e a sensação de estar sendo lançada no ar me envolveu. Estava acontecendo de novo, e agora, eu estava indo diretamente para a mente de Aro. Atraída como uma pequena mosca. Eu estava lá, presa nas teias emaranhadas da mente dele. As imagens eram tantas… Milhares de pensamentos roubados de outras mentes, milhares. “Por favor pai, veja isto.” Eu pensava, enquanto tentava me firmar naquelas memórias estáveis. Um turbilhão rodopiava a minha volta, uma rebelião de vozes e rostos infindáveis. Aro estava desesperado, não conseguia pensar nem resistir à minha invasão. Eu nem tinha certeza se ele sabia que eu estava dentro de sua mente, sugando qualquer coisa que eu pudesse alcançar. Porém, a mente dele tinha o gosto do desespero, um teor obscuro se derramava à minha volta. Ele estava quase entrando em colapso, e se eu não fosse rápida o suficiente para quebrar a ligação, eu sucumbiria também.
“ Então temos um trato. Eu lhes dou a vidente e vocês me dão o filho da lua.”
“ Sim, temos um trato. Mas só por curiosidade Aro, o quê pretende com aquela criatura? Faz mais de dois mil anos que eles adormeceram sob as esfinges, refugiados da luz e das fogueiras das cidades em ascensão. Seria prudente despertar um mal tão abominável e infeccioso como aquele?”
“ Ora Vladimir, você e Stefan não vão querer bancar os puritanos agora não é? Muito menos com alguém que conhece seu passado sangrento. Eu sei muito bem como vocês governaram o mundo imortal quando estavam no poder. Se Marcus não os tivesse banido com seus exércitos, duvido muito que ainda houvessem humanos neste planeta, em cinco séculos vocês quase drenaram a Europa inteira.”
“ É verdade, nunca negamos nosso real interesse e nosso verdadeiro caráter, isso é algo que você sabe fazer muito melhor que nós. Mas negócios são negócios, e eu e Stefan estamos muito interessados nessa vidente, desde aquela fatídica manhã em que os Cullen receberam sua honorável corte em Forks. É simplesmente divino o quê aquela criatura pode fazer. Consegue imaginar Aro? O futuro do mundo em suas próprias mãos? Espanto-me até agora ao pensar em sua proposta. Afinal, quem em sã consciência trocaria aquele belo espécime imortal por um monstro fedido e que ainda por cima não pode ser controlado?”
“ Está querendo me fazer mudar de idéia Vladimir? Eu tenho planos para aquela criatura.”
“ Tem haver com os Cullen, não tem? Você está obcecado por eles, posso ver isso em seus olhos Aro. Mas creio que seria muito mais fácil mandar seus gêmeos bruxos atrás deles. Com um poder assim nas mãos, quem precisa de um lobisomem? É muita sujeira para limpar.”
“ Ah meus queridos, pode-se ver que não sabem muito sobre esses filhos da lua.”
“ E por quê deveríamos? Enquanto estiverem longe de nossas fontes de alimentação, não há nada neles que desperte nossos interesses. Você por outro lado deve se interessar muitíssimo, afinal, foi você quem liderou a chacina que quase exterminou todos eles.”
“ É verdade, sim. Em todos aqueles anos em que eu e Caius passamos caçando esses demônios, eu pude aprender muito sobre eles. Coisas terríveis, meus caros, criaturas realmente terríveis.”
“ Mas então você teve que deixá-los para outra hora não é mesmo Aro? Você tinha um golpe de estado para articular, e isso era infinitamente mais importante do quê caçar cachorros à luz da lua.”
“ A reunião acabou. Na próxima lua cheia eu quero receber os mapas das tumbas e os papiros secretos que vocês roubaram do Vaticano. Digo novamente que isso é uma perda de tempo, tudo seria mais prático se simplesmente me deixassem tocá-los e ver por eu mesmo as localizações.”
“ O trato é este Aro. Você fica fora de nossas mentes, nós ficamos fora de seu caminho.”
“ A vidente chega em Volterra na terça-feira. Estejam prontos.”
As palavras escorregavam para dentro de mim como água suja, imagens lamacentas. Os rostos se acendiam e se apagavam, enquanto passavam pela linha tênue que me segurava lá dentro.
– Ness, saia! – Gritou meu pai.
– Está tudo bem pai. – Consegui dizer à ele com dificuldade. – Eu só preciso… só preciso encontrar o antídoto. – Eu lutava para ir mais fundo na mente de Aro, mas o turbilhão me arrastava por lugares distantes, me soterrava em memórias desconhecidas. Eu não conseguia fazer minha mente ir para onde eu queria que ela fosse, eu me forçava ao máximo para me manter firme enquanto dizia a mim mesma que devia isso à Alice. Eu tinha que encontrar o pensamento que me daria o poder de salvar a vida de Jasper. Segui a trilha das imagens obscurecidas que mostravam tudo o que Aro fez com a criatura durante o tempo que o manteve preso nas masmorras de Volterra. Torturas, infindáveis sessões de torturas nas quais Jane o deixava inconsciente no chão, com espasmos chacoalhando seu corpo esgotado. E a fome. Aro o deixou sem uma só gota de sangue, até a noite terrível em que o alimentou com o coração ainda vivo de Nahuel. Fui adiante, cada vez mais fundo no lodo da mente de Aro.
Vi o quê ele fez com o pobre Nahuel também, vasculhando cada parte de sua extrutura, revirando sua mente e seu corpo como se procurasse por algo. Mas o quê? O quê?
– Ness, saia. Você ainda não sabe controlar isso. – Gritou meu pai novamente. E quando eu encontrei a porta que me levaria mais adiante, tudo sumiu. Abri meu olhos e encarei o rosto sereno de Willian diante de mim.
– Não há nada lá. – Murmurou ele, tocando meu rosto.
– Eu ia encontrar Will, eu estava perto. Libere meus poderes, nós ainda podemos salvá-lo. – Eu falei, lutando com as lágrimas e com a frustração de ter falhado novamente.
– Olhe para ele Ness. – Disse Willian, afastando-se de mim para que eu visse o corpo de Aro tombado no chão. – Aro finalmente perdeu. Ele não tem mais nada que possamos tirar dele. – Aro estava de joelhos, e tremia… O rosto lívido fitava meu pai com um desespero mudo. Jane estava lá ainda, como um escudo protetor para aquele monte de lixo.
– Vamos acabar logo com isso. – Sussurrou Willian, enquanto colocava em minhas mãos um pequeno punhal prateado e um isqueiro que trazia cravado em ouro o V de Volturi, o brasão real daquele poder que terminaria ali. Assenti, silenciosa, olhando novamente para Aro e observando meu pai se aproximando de Jane como uma sombra gelada.
Assim como eu sabia que aconteceria, Jane resistiu apenas três minutos, na qual a maior parte do tempo tentou afastar meu pai de Aro, incitando-o a segui-la para dentro da cidade. Então meu pai agarrou-a pelo pescoço e Jane se debateu como uma onça selvagem, agitando as pernas no ar, sibilando enquanto tentava se livrar do aperto de aço em sua garganta. Meu pai hesitou por um instante, e mesmo sem entrar em sua mente eu sabia o porquê. Ele estava lendo todos os sentimentos de Alec e Jane naquele momento, estava sentindo o quê eles sentiam, estava sendo a vítima e o carrasco. “Força pai, você sabe que é o único jeito” Pensei, sentindo o peso daquelas palavras enquanto observava o rosto aflito de Alec. “Ele fez a escolha dele. Ele sabe que foi a escolha dela.” Eu não sabia se dizia aquilo para mim mesma ou para meu pai.
– Edward, termine. – Disse minha mãe. Os sibilados de Jane se misturavam com os da criatura que se encurralara sob a sombra gigantesca da igreja. Eu sentia que não podia mais suportar ouvi-los, eu só queria que tudo aquilo terminasse de uma vez.
– Você tem a chance de viver Jane. Não precisa morrer por isso. – Disse meu pai, virando o corpo suspenso de Jane de frente para Aro. Ela o olhou enquanto se debatia, seu rosto delicado contorcido de ódio.
– Vá para o inferno Cullen. Eu vou te mat… – Meu pai torceu o pescoço delicado e arremessou o corpo pequeno de Jane contra as paredes de pedra. O estralo revirou meu estômago, mas assim mesmo me obriguei a olhar seu rosto inexpressivo virado para trás. Meu pai não queria matá-la, por algum motivo ele hesitou, eu me perguntava o quê ele viu na mente dela que o impediu de queimá-la ali mesmo. Ninguém entendeu o por quê ele fez aquilo, mas eu duvidava que era apenas por quê ele queria aproveitar melhor sua morte.
Quando tirei meus olhos do rosto de Jane, Aro já estava nas mãos de meu pai. Preso da mesma forma que Jane, pelo pescoço, dependurado como um frango de abate.
Dei as costas para aquela cena, eu não me interessava mais pela morte de Aro, só queria que estivesse feito, terminado, esquecido. Ao invés de vê-lo morrer, eu precisava terminar com outra existência destrutiva, e o filho da lua não iria ficar ali, me esperando para sempre.
Porém, quando me virei na direção da criatura, eu senti uma presença silenciosa se aproximando, vindo pelo interior da igreja. Pensei ser só impressão, mas Jacob também virou focinho na direção da igreja, e Alec também percebera, então eu não devia estar imaginando. Seria uma de nós? Com toda aquela fumaça eu não podia captar o cheiro.
A criatura parou de urrar por um momento, estava sentindo a presença também, mas logo se colocou em movimento novamente, rodeando as portas da igreja, sibilando e parando de vez em outra para lamber um ferimento que corria sangue.
– Temos compania. – Eu disse, quando tive certeza que havia alguém vindo em nossa direção. Todos se colocaram em alerta novamente, e meu pai segurou o corpo de Aro contra a parede com um estampido metálico.
– É Marcus. – Disse Alec, que estava mais próximo.
– Pai? – Disse Willian, se aproximando o máximo que a criatura permitia da entrada da igreja.
– Irmão. Irmão venha me ajudar. – Gritou Aro, enquanto se debatia nas mãos de meu pai.
Marcus sabia que a criatura estava bem ali, obstruindo a porta a qual ele se dirigia. Então por quê não arrebentava a lateral da igreja? Por quê não saía por uma janela? Ele por um acaso estava imaginando que aquele monstro iria dar licença para quê ele pudesse cruzar a maldita porta?
– O quê ele está fazendo? – Eu disse.
– Não sei. – Respondeu Willian. – Mas temos que pará-lo, caso contrário ele vai sair diretamente para os dentes daquele bicho. – Willian começou a procurar um jeito de se aproximar, e enquanto ele gritava para Marcus se afastar da porta, eu pensava por quê diabos eu deveria ajudar a salva-lo? Marcus poderia não ser o demônio que Aro era, mas consentiu em tudo que ele fez, se omitiu a todas as barbaridades dele. Isso não fazia de Marcus um bom candidato em minha lista de salvamentos. Bem, era tarde demais. Marcus tocou a porta, abrindo-a com um rangido agourento, a criatura se virou furiosa com a proximidade súbita, se ergueu nas patas traseiras, sibilando e parou bem ali.
Tive que piscar meus olhos para ter certeza de que não estava tendo um curto circuito em meu cérebro. Todos estavam imóveis em seus lugares, inclusive Willian que tinha no rosto a expressão mais desesperada que eu já vira em suas feições. Que merda havia acontecido?
– É típico de você Aro. – Disse Marcus, passando pelo corpo paralisado da criatura. – Se esquecer dos detalhes mais importantes e sempre menosprezar os conhecimentos antigos. – Marcus tocou um cordão de prata que pendia sobre seu manto negro e caminhou lentamente, segurando uma pequena pedra leitosa pendurada na corrente. Eu não conseguia desviar meus olhos por muito tempo da criatura. Ele estava consciente, seguia Marcus com os olhos escuros com toda calma que eu jamais julguei ver naquele monstro. Como era possível? O quê Marcus tinha feito com ele?
– Sinceramente, não sei o quê vi em você Aro. Você nunca foi um bom conselheiro e nunca será um bom líder para nossa espécie. Não sei por quê o deixei ir tão longe. – Marcus parou no centro da praça e ficou olhando o rosto contorcido de Aro, encarando-o. Aro fitou a pedra entre os dedos pálidos de Marcus.
– Pedra da lua? – Sussurrou Aro com dificuldade.
– Sim. Pedra da lua. Um mineral tão insignificante, tão desprezível. Era tudo que você precisava para controlar um filho da lua. – Marcus falou.
– Não, não. Você está mentindo. Nada pode controlá-los. – Disse Aro se debatendo novamente.
– Você nunca me ouviu Aro, sempre achou que eu era um louco obcecado por uma morta.
– Isso não importa mais! – Gritou Aro. – Tire-me daqui Marcus. Tire-me daqui e vamos reconstruir nosso clã.
– É tarde demais Aro. Tarde demais para nós dois. – Disse Marcus dando-lhe as costas.
Não sei por quê não dei importância para aquilo no momento, talvez eu tenha pensado que Jane não se moveria mais quando a vi imóvel no chão, o pescoço torcido e os olhos apagados. Quão estúpida eu fui. Eu tinha feito exatamente o quê Jasper me pedira para jamais fazer. Eu abaixei a guarda, todos nós abaixamos. Mas agora era tarde, como disse Marcus, e Jane já estava ali, de pé novamente, atacando Marcus com sua tortura mental. Marcus gritou e se dobrou no chão, Jane agarrou a pedra e a arrancou de seu pescoço. Willian gritou, correu até lá, tentou agarrá-la, mas Jane já estava lançando sua maldição sobre meu pai, que largou Aro enquanto segurava a cabeça entre as mãos, gritando:
– Bella! – Então minha mãe reagiu, recolocou o escudo que havia sido recolhido, mas Jane já corria pelas vielas de Volterra, arrastando Aro atrás de si. Correu como se estivesse correndo do próprio diabo. Ela levou Aro, a pedra da lua e toda esperança que eu tinha de terminar aquilo antes da noite cair sobre nós.

***

– Maldita! – Eu grunhi, me lançando atrás dela. Quando eu estava perto o suficiente para lançar a adaga que trazia nas mãos, Jane estacou, virando-se de súbito para mim. Ela me olhou nos olhos, enquanto afagava a pedra da lua entre os dedos, como se procurasse um botão secreto. Enquanto eu a observava girar a pedra entre os dedos pálidos, eu ouvi o grunhido bestial cortar o ar e tilintar em meus ouvidos como facas.

– Njegovo jezo opekline moon otroka – Jane sussurrava, fitando meu rosto com os olhos mais frios que eu já vira.

– Jane, pare. – Eu sussurrei para ela, sentindo um pressentimento soturno se apoderar de mim.

– Isso, querida, destrua-os. Destrua a todos! – Incitava-a Aro, segurando-a pelos ombros, acariciando seu rosto com as mãos pálidas.

– Njegovo jezo opekline moon otroka – Jane repetia, um sorriso soturno crescendo no canto de seus lábios. Eu não reconhecia aquela língua, mas sabia que nada de bom estava sendo proferido com aquelas palavras cheias de maldade.

Atrás de mim, a criatura urrava e eu podia ouvir a movimentação dos outros enquanto tentavam detê-lo e permanecerem vivos.

– Pare, você vai matar seu próprio irmão? – Eu disse a ela quase implorando. Jane me fitou com aqueles olhos vermelhos e disse, sem nenhuma emoção transparecendo em sua voz:

– Eu não tenho irmão. E você também não terá mais nada. – Disse ela, enquanto a pedra da lua era erguida no ar, refletindo a luz opaca do céu nublado.

Então eu ouvi o barulho oco de corpos sendo arremessados, e tive que desviar meus olhos de Jane e Aro. No meio da praça a criatura avançava sobre todos, levantando uma onda de destruição por onde passava. Alec estava tão perto… Meu pai, minha mãe, Carlisle, Zafrina, Benjamin, Jake… Eles lutavam com suas vidas. Até Marcus estava lá, enfrentando a derradeira morte. Ver aquilo, todo aquele horror, toda aquela violência… Presenciar aquele momento quebrou algo dentro de mim. Naquele momento eu percebi o quê significava ser um imortal num mundo de humanos. Nós éramos os monstros.

Com os pensamentos ainda turvos e o coração acelerado, eu vi a bravura de Marcus, séculos de imortalidade e força, ele parecia um fantasma pairando entre os outros. Avançava sem temer a morte, e talvez não temesse de fato. Eu sabia que não poderia fazer nada para ajudá-los naquele momento, e sabia também que teria de ser responsável pela morte de Aro e Jane. Ninguém mais poderia terminar aquilo. Apenas eu. Apenas eu e meu punhal inútil.

Então eu me virei para eles novamente, estava pronta, ou pelo menos era o quê eu gostaria de pensar.

– Vamos terminar isso de uma vez Aro. – Eu disse. Aro sorriu, aquele sorriso ofídico, aquela pele poeirenta se esticando nos cantos dos lábios. Ele afagou os ombros de Jane mais uma vez e disse, correndo os olhos para mim:

– Minha querida, já acabou. – Disse ele, gesticulando suas mãos longas para a luta que explodia atrás de mim. Por um momento eu não entendi a piada. Realmente não entendi a expressão no rosto de Jane e de Aro, embora jamais pudesse esquecê-las.

Foi o silêncio quem me alertou. O silêncio que precede o grito, a imobilidade que precede a queda, o ar suspenso como se o próprio tempo se recusasse a correr depressa. Aro sorriu novamente, uma última vez, e desapareceu de minha vista com Jane, tão rápido quanto uma nuvem de poeira se desvanece no ar. Acredito que meu corpo tenha sentido antes de minha mente se dar conta do que havia acontecido, pois minhas pernas tremiam enquanto levavam meu corpo para trás. “Olhe” dizia algo em minha mente, mas eu não conseguia obedecer.

Então os gritos abafados chegaram até meus ouvidos, apertando minha garganta como mãos invisíveis. “Olhe. Olhe e veja.”

– Tirem ele daí. Tirem logo. Merda, merda… – Gritou Benjamin, apavorado.

– Jake, quebre o pescoço. – Alertou minha mãe. Então veio a ruptura e o sangue. O gorgolejo sufocado, o rugido morrendo sob as mandíbulas do lobo.

E muitos pares de mãos arrancando, partindo, quebrando, torcendo…e a pilha cresceu rápido. O sangue logo se infiltrou nas pedras, formando poças, espelhos escuros, fétidos.

O cheiro ardeu em minhas narinas, nublou meus sentidos por um breve momento. As mãos de Alec ainda sustentavam o corpo tombado no chão. Eu não queria olhar para ele, não queria sequer pensar em seu nome, não conseguia me aproximar. Olhei para Marcus, ajoelhado ao lado de seu filho, o rosto trazendo à tona as velhas marcas do sofrimento, da perda.

– Filho. – Murmurou ele, sem coragem de tocar em seu corpo. – Por quê fez isso? Por quê não se salvou ao invés de mim? Eu já estou morto, meu pequeno príncipe.

Só havia perdão na morte? Ele poderia ter chamado Willian de filho enquanto ele ainda respirava, enquanto ainda lutava para fazer a coisa certa, enquanto ainda desejava o perdão de seu pai. Agora não importava muito, não é?

Alec me olhou de lá, daquela parte longínqua da realidade que eu não queria alcançar. Parecia que todos olhavam para mim, esperando algum tipo de crise histérica. Mas eu calei todos os gritos e lágrimas que todos esperavam de mim. Ao invés disso, acendi o isqueiro que eu apertava numa das mãos, e andei, um passo por vez, até a pilha fétida de membros e ossos da criatura. Enquanto o fogo subia, expelindo mais daquela fumaça pesada, eu selava toda dor dentro de mim. Rápido, precisava ser muito rápido, antes que minha consciência se desse conta, antes que minha mente assimilasse aquilo.

Willian morreu protegendo Marcus, como Jasper morreu protegendo Alice. Pelo menos eles deram suas vidas por alguém em quem acreditavam, alguém que amavam. Isso era certo, não era? Era nobre, eu suponho.

– Ness, precisamos ir agora. As autoridades estão entrando na cidade, já noticiaram o incêndio na televisão. – A voz de Carlisle soprou a névoa de pensamentos incoerentes nos quais eu me perdera não sei por quanto tempo. Dei as costas para o fogo, sentindo uma estranha vontade de olhar para o rosto de meu avô, de memorizar novamente cada detalhe que havia se apagado um pouco nos últimos meses. Mas meus olhos pousaram mais adiante, naquela cena distante que me alcançaria a qualquer momento.

– O quê vão fazer com ele? – Perguntei, sem me dar conta. Carlisle olhou para o corpo de Willian, deitado sobre as cinzas do pavimento.

– Marcus vai deixar a companheira humana dele decidir o quê fazer. – Eu assenti.

– Uma humana saberá o quê fazer com o corpo semi-morto de um imortal? – Minha mente fazia as perguntas sem que eu tivesse tempo de pensar sobre elas, as palavras saíam, rebelando-se aos poucos.

– Nenhum de nós sabe o quê fazer no momento Ness. Esse é um novo mistério para nossa espécie, ninguém vai responder nossas perguntas por que ninguém têm as respostas.

– Ninguém é? – Eu falei, enquanto me afastava dali, pensando em tantas coisas que não era capaz de pensar em nada precisamente. Mas por baixo de toda escuridão que se apoderara de minha mente, eu sabia aonde deveria ir para encontrar as respostas que Carlisle julgava perdidas.

Em Montalcino, eu conheci o imortal responsável pela evacuação dos humanos de Volterra. Tratava-se de um sujeito alto, magro e com feições soturnas. Era dinamarquês e controlador de mentes, assim como eu e meu pai. Não me lembro de seu nome, mas devo ter ficado admirada com a extensão dos poderes dele, fazer mais de duas mil pessoas seguirem para fora de sua cidade no meio da noite era algo incrível. Admirável, porém não me lembro de tê-lo dado os parabéns, ou o agradecido.

Tânia e Kate estavam lá também, e Gareth, e Eleazar…infelizmente a companheira dele, Carmem, também havia sido morta pelos Volturi, assim como as irmãs de Zafrina – Kachiri e Senna. A perseguição Volturi atingiu proporções maiores do que eu imaginava. Soube mais tarde que o clã de Benjamin havia sido dizimado, ele fora o único sobrevivente. E assim como os egípcios, os clãs da Irlanda e os nômades também haviam sido caçados – e mortos. A limpeza de Aro varreu o mundo até chegar aos Cullen.

Quando a noite chegou, quase todos os aliados já haviam partido, levando consigo as notícias da destruição dos Volturi e da fuga de Aro e Jane. Dias difíceis estavam por vir. Depois do quê acontecera com os Cullen, o mundo imortal temia as conseqüências da mudança no poder e quase todos apostavam na idéia de que Aro não se conformaria com sua nova condição de foragido procurado. Depois da farsa revelada, imortais do mundo inteiro viriam saudar suas dívidas com o ex-líder Volturi. Aro tirou muitas vidas enquanto esteve no poder, e como já é conhecido no caráter de nossa espécie, um imortal não perdoa a morte de um companheiro. Se eu seguisse esse critério, eu teria que passar o resto de minha vida caçando Aro e Jane.

Acredito que não seja muito mais fácil para um humano perder seu companheiro, embora eles tenham uma mente muito mais evanescente que a nossa. Humanos superam, humanos perdoam. Imortais caçam e queimam algo para curar suas feridas. Era isso que eu esperava enquanto observava Lavínia se debruçar sobre o corpo de Willian – que ela superasse. Nunca imaginei que um humano pudesse gritar tanto e depois de olhar em seus olhos desesperados e turvos de lágrimas, meu consolo de que ela pudesse esquecê-lo se desvaneceu. Embora fosse insuportável permanecer ali, testemunhando o desespero daquela humana, foi muito mais difícil para mim encarar Alice.

Não sei quem deu a notícia sobre a morte de Jasper para o resto da família. Não fui eu.

Eu só observei silenciosa a família se reunir em volta do corpo dele, enquanto o traziam para dentro da casa onde estávamos.

– Creio que ele gostaria de ser enterrado em sua cidade natal. – Comentou Carlisle. Eu não prestava atenção na conversa discreta que ele tinha com meus pais e Esme no canto da sala.

– Jazz vai para casa comigo. Ninguém vai enterrá-lo numa vala no meio do Texas. Tenho certeza de que se ele acordar num caixão ele vai ficar de mal humor por um ano inteiro. – Disse Alice, entrando na sala com seus passos leves, a voz soando alarmantemente normal. Olhei para ela, sentindo meu estômago doer enquanto a observava afagar os cabelos louros de Jasper que repousava num sofá velho. Aquilo nos olhos dela era mesmo esperança? Tive que tomar um pouco de ar depois disso.

– Nós vamos encontrar um meio de trazê-los de volta. – A voz de Jacob me alcançou no vazio da noite. – O doutor disse que vai estudar esse veneno. Se há uma cura, ele vai encontrar. – Ele não estava fazendo eu me sentir melhor. Jacob se sentou ao meu lado na balaustrada da varanda e por um momento que se estendeu por um quarto de hora, nós mergulhamos num silencio confortante e eu apenas fiquei ali, olhando a noite, sentindo o cheiro dele se misturar na brisa.

– Jake, eu não vou para casa. – Eu disse, depois de me sentir entupida demais com meus pensamentos, e embora não tivesse pensado muito sobre isso, eu apenas sentia que não poderia voltar agora, não depois de tudo. Jacob assentiu em silêncio e disse após alguns minutos:

– Eu não sei se onde você vai terá lugar para mim. E apesar de eu te dizer que vou aonde você for, se você me disser que quer ficar sozinha, então eu me afasto, se é isso que quer. – Disse ele.

– Eu não sei aonde vou, eu sei de onde eu estou vindo. Eu não sou mais a mesma Jake e nem posso te dizer quem eu sou agora. – Jacob me observava no escuro.

– Meu coração está onde você está, mesmo que eu esteja do outro lado do mundo, em outro planeta. Se você tem que ir, então vá, eu só acho que não é o melhor momento para estar sozinha. – Mas quando eu olhava para ele, eu queria poder ficar, queria poder ser de novo quem eu era. Mas nada volta atrás…

– Você o ama? – Perguntou Jacob, a voz baixa, tranqüila.

– Acha que é por isso que não quero voltar pra casa Jake? – Falei, olhando-o nos olhos.

– Não foi isso que eu perguntei, mas de qualquer forma você não precisa responder. Vou deixar você sozinha. – Disse ele, se afastando na escuridão.

– Espere. – Jacob parou, voltando-se para mim. Passei minhas pernas para o lado de dentro da varanda e sustentei seu olhar. – Eu não sei.

– Não sabe.

– Não. – Peguei a mão quente que pendia ao lado de seu corpo e a trouxe para perto de mim. Jacob acariciou meu rosto, e a suavidade quase me fez chorar. – Eu não deixei de amar você, e disso eu tenho certeza. – Nos beijamos então, e enquanto eu o observava, de olhos fechados e totalmente entregue à mim, eu senti o quanto aquilo me faria falta e o quão infeliz eu seria sem ele. Desde o primeiro momento, tudo o quê Jacob fez foi abrir mão de sua própria vida para viver em função da minha, todos aqueles anos de espera, tudo que ele abandonou… E mesmo agora, isso era tudo o quê eu podia dar a ele.

Mais tarde naquela mesma noite, uma reunião foi convocada pelos remanescentes e tudo que eu queria, era não ter que participar.

Alice não participou.

Dos quileutes, apenas Jacob e Leah. Os outros voltaram para casa tão rápido puderam.

O clã de Denali permaneceu conosco, assim como Zafrina, Benjamin e o tal dinamarquês hipnotizador. Alec chegou algumas horas mais tarde, depois de instalar Lavínia e o corpo de Willian em uma das casas Volturi. Marcus chegou logo após.

– Antes de mais nada. – Começou Carlisle. – Quero pedir um momento de silêncio e reflexão pelas vidas que foram perdidas nessa guerra.

Ótimo, mais silêncio e reflexão. Isso não traria Jasper ou Willian de volta. Meu pai me lançou um olhar vazio do outro lado da sala. Ele sabia que eu odiava reuniões, eram tão úteis quanto um pato de borracha numa banheira furada.

Enquanto estávamos ali, num circulo patético e imóvel, como estatuetas de pedra num museu, eu não podia deixar de notar os olhos de Alec presos em mim. Haviam tantas coisas passando por minha mente, que o barulho entre as paredes do meu cérebro parecia se propagar para fora e desrespeitar o luto de todos ali. Em silêncio, eu ouvia as palavras de Alec, proferidas numa noite escura e fria, se reavivarem em minha mente. “Eu não vou fazer você escolher, e não por quê sou nobre demais para isso, mas por quê sei que você já fez sua escolha.” Naquela noite eu o tinha dito: “você não pode me amar.” E ele apenas me olhou com aqueles olhos perdidos e disse: “É tarde demais pra mim. Eu já te amo e já te perdi antes mesmo de tê-la.” Naquela noite tudo poderia ter sido diferente, mas agora… Agora nada mais poderia ser como era antes. Nem com Jacob, nem com Alec.

A Renesmee que estava diante deles agora, não tinha mais um coração intacto para amar, ou uma mente tranqüila para escolher. Eu tinha chegado num momento em minha vida, em que meu coração teria que ser deixado em segundo plano.

– Essa reunião foi promovida com o intuito de expor a cada um de vocês, todos os fatos que nos trouxeram até aqui. Como todos sabem, estamos em guerra. – Começou Carlisle. – Muitos de vocês não conheceram outro governo em nosso mundo, além do governo Volturi. Eu mesmo sou de uma época em que os Volturi já estavam no poder há gerações, não há muitos que conheçam a origem desse poder e infelizmente, os poucos que conheceram apenas se calaram e aprenderam a temê-los, e isso é conseqüência dos princípios que Aro adotou e consolidou durante os séculos, é tudo que nosso mundo conhece e aprendeu a respeitar. Bem, para aqueles que não sabem, a origem do poder Volturi está aqui conosco esta noite, nesta sala. – Carlisle gesticulou respeitosamente para Marcus, que o agradeceu com um breve aceno de cabeça. Ao redor da sala, vários pares de olhos perplexos encararam o ancião, com exceção de alguns poucos que já conheciam a história de Marcus – como eu e Alec. Marcus então assumiu o discurso, e em sua voz fria e inabalável, ele descreveu tudo, absolutamente tudo. Nunca pensei que eu viveria para ver o dia em que Marcus abriria o cofre lacrado que trazia em seu peito, mas ele falou e falou, e tudo que eu podia visualizar em minha mente era dor, traição e morte. Ouvi-lo falar de Willian, fazia meus olhos arderem, e eu tinha que retesar todo meu corpo para me conter, para manter a barreira de força lá, intacta. Talvez Marcus tenha lutado tanto para conter sua própria dor que terminara assim, vazio. A parte mais irritada de mim mandou minha consciência calar a boca, enquanto tentava se concentrar nas palavras de Marcus.

– …quando percebi que Aro estava cada vez mais firme no poder, eu já não me importava com o quê pudesse acontecer. Por negligência minha ele moldou minhas leis a seu próprio benefício, por covardia e egoísmo meu, ele caçou, perseguiu e aniquilou milhares de vidas. Aro ampliou o poder Volturi para além de nosso pequeno país, para muito além dos portões da cidade protegida por São Marcus. Os séculos passaram e ele, cada vez mais, se tornava o eixo de tudo. Exércitos ele criou e exércitos ele dizimou, e tudo mascarando-se sob as leis que eu criei para proteger meu povo da praga que nós éramos. Mas Aro não estava interessado em humanos, pelo menos não nos primeiros séculos. Ele estava inebriado pela perspectiva do poder, ele queria adquirir tudo que fosse possível. Desde imortais com poderes patéticos, simples aquisições curiosas, até os imortais realmente poderosos e incontroláveis. – Marcus então lançou um olhar fugaz a Alec no extremo da sala e continuou, juntando as mãos pálidas sob o manto escuro. – E eu não fui capaz de fazer nada. – Uma breve pausa, então ele continuou. – Quando Aro recebeu a denúncia de uma criança imortal sob tutela dos Cullen, ele simplesmente se rejubilou. Era o quê ele precisava, o álibi no qual ele vinha trabalhando desde a visita de Edward à Volterra. Não o via satisfeito daquele jeito desde o dia em que veio me contar sobre os gêmeos que adotara numa aldeia austríaca. E aí começou o inferno. Aro é mais perspicaz que uma formiga operária tentando alimentar sua rainha, no caso dele, seu orgulho. Quando nos deparamos com aquela recepção nem um pouco submissa, Aro teve que improvisar, e mesmo quando nada mais podia ser feito sem extrapolar os limites das boas aparências, Aro não desistiu. Durante todo o caminho de volta, ele calou-se e se colocou a trabalhar em sua próxima teia, o quê, na época, já estava com um andamento bastante acelerado. Aro chegou à Forks com uma idéia e retornou com milhares, estava frustrado e queria agir. Um mês depois, ele colocou a guarda atrás de meu filho, a peça principal para seu plano vingar. – Marcus perdeu-se por um momento em suas próprias lembranças amargas. Eu podia ver nos olhos dele o arrependimento por não ter dito nada de bom à Willian enquanto podia. O silêncio caiu pesado sobre nós, e Eleazar pigarreou discretamente para despertar Marcus de seus devaneios melancólicos.

– O quê Aro pretendia usando seu filho, Marcus? – Perguntou Eleazar.

– Aproximação. – Respondeu Marcus. – Aro precisava se movimentar com seu plano, mas com a vidente vigiando-o ele não podia dar um só passo, isso quase o matou de exasperação. Ele precisava anular esse ônus, e só conhecia uma solução para o problema e apenas uma pessoa capaz de realizar seu desejo. Aro sempre quis pôr as mãos em Willian, desde que ele desertou, desde que soube dos poderes dele, ele procurou o garoto por séculos, mas por fim, não sei bem quando, ele parou, mas quando percebeu que só os poderes de Willian seriam capazes de dá-lo a ponte até os Cullen, bem, então ele se empenhou mais e finalmente encontrou meu filho. A humana foi a chave, a moeda de troca de Aro. Ele obrigou Willian a cumprir um trato que assegurava a vida da humana e o pagamento pelo crime de ter matado Dydime. E Willian aceitou, o quê mais poderia fazer?

Uma a um, ele levou o exército de Aro até os nomes de sua lista negra, onde apenas três nomes não levavam à ordem de extermínio imediato. A vidente, a mulher da selva e a filha mestiça dos Cullen. Todos os demais deviam morrer de imediato. E assim foi. Parecia que a sorte estava sorrindo para Aro finalmente.

***

– E como ele encontrou o maldito filho da lua? Ninguém mais sabia do paradeiro dessas bestas, muitos até pensavam ser apenas lendas. – Perguntou Gareth. Tânia, Kate e Eleazar pareciam questionar a mesma coisa.

– Me envergonho ao confessar diante de vocês que eu nada soube dos planos de Aro até estarem quase completamente concluídos. Pensei que ele e Caius já tivessem superado o ódio que nutriam por essas criaturas. Eles caçaram essas bestas durante muitos anos enquanto eu ainda governava, creio que eles absorveram muitas coisas que nós desconhecemos sobre essas criaturas, mas o próprio Aro chegou a confessar-me uma vez que os malditos haviam sumido da face da terra. Desconheço a fonte de informação da qual ele se utilizou para localizá-los, mas suponho ser um dos antigos.

– Dois. – Falei.

– O quê disse criança? – Indagou Marcus, olhando-me confuso. Ótimo, eu e minha boca grande estávamos novamente sob o foco dos olhares.

– Eu disse que são dois dos antigos. Vladimir e Stefan. Acho que esses nomes são mais familiares a você do que a qualquer um, afinal, foi você quem chutou o traseiro deles do trono. – Eu não havia pensado muito sobre as coisas que vi na mente de Aro, na verdade, levei algum tempo para organizar todo o caos que recolhi daquela caixa preta, mas olhando agora o quadro completo, eu sabia que aquela era uma informação valiosa.

– Não creio que aqueles dois tenham chegado nem há dez quilômetros de Aro ou Volterra. Não passam de ratos, decrépitos, covardes. Eles são bem antigos, é realmente possível que tenham vivido no tempo dos filhos da lua, mas o quê eles ganhariam com isso? – Indagou Marcus.

– Eu vi. – Retruquei. – Na mente de Aro. Eu vi a conversa. Aro ofereceu Alice em troca da localização da criatura.

– A vidente? Impossível. Ele a queria mais do que qualquer coisa, por quê Aro ofereceria algo tão valioso para ele? – Ponderou Marcus.

– Talvez ele planejasse pegar de volta mais tarde, quando conseguisse exterminar todo mundo. – Enquanto eu falava, as coisas se remexiam em minha mente, e havia muitas peças que não se encaixavam, mas eu já não suportava tantas perguntas, não queria mais falar sobre aquilo, eu só queria terminar aquele dia maldito, que parecia nunca ter fim.

Durante as horas que se seguiram, várias especulações e debates se ergueram na sala, que de súbito parecia estranhamente cheia. Minha mente vagava por um espaço atemporal, dando voltas que me levavam sempre ao mesmo lugar. Eu sentia o calor do corpo de Jacob ao meu lado e a frieza penetrante do olhar de Alec sobre mim, e nenhum dos meus pensamentos estavam ilesos dos rostos de Willian e Jasper. A pressão comprimia meus pulmões. Meu pai me observava de longe, tentando não transparecer à minha mãe a preocupação comigo, enquanto trocava informações com Marcus e Carlisle. Aquela discrição dele era o que mais nos aproximava, o quê o tornava meu confidente, meu porto seguro. Eu amava minha mãe, morreria por ela, mas meu pai era meu ponto fraco, ao mesmo tempo que me transmitia uma força sem a qual muitas vezes eu não conseguiria continuar. E ele estava ali novamente, me dizendo com aqueles olhos calmos que tudo estava bem, que eu conseguiria me manter de pé e que ele estava ali, comigo.

Saí novamente para a noite fria, o mais discretamente possível, e cinco minutos se passaram até que meu pai foi a meu encontro. Silencioso, ele se aproximou de mim e tocou meus cachos com os dedos frios. Nossa comunicação dispensava palavras, sempre fora assim, porém naquele momento, eu sentia que precisava dizer alguma coisa, o silencio estava me cortando ao meio. Eu precisava encarar o abismo diante de mim, precisava gritar para ele, mesmo que não houvesse resposta alguma, mesmo que só houvesse os ecos de minha própria voz.

– Como foi? – Perguntei. Meu pai me observava, os olhos vazios e distantes se perdiam em meu rosto. Talvez estivessem perdidos no mar de imagens que se misturavam em minha mente.

– Quer mesmo saber? – Disse ele. Eu precisava saber como Willian morreu, eu não entendia como aquilo tinha acontecido, assim como não conseguia acreditar que não teria mais longas conversas com Jasper ao entardecer. Eu simplesmente esperava olhar para trás e vê-los ali, olhando para mim de algum lugar. Meu pai suspirou, ele não queria fazer aquilo, mas ele precisava. Eu preferia toda dor de uma só vez.

– Nós estávamos fechando o cerco sobre a criatura. Marcus estava chegando perto, mas ele foi imprudente, avançou sem cautela, nós o alertamos, mas ele não ouviu. – Meu pai desviou os olhos de mim e encarou o céu escuro. – Marcus baixou a guarda por meio segundo e a criatura avançou diretamente na garganta, iria matá-lo como matou Caius. Willian entrou na frente, empurrou Marcus de lá e a criatura o agarrou. Jacob abocanhou o pescoço da criatura, mas já era tarde. O veneno já havia contaminado Willian. – Assenti, refugiando meus olhos no horizonte, revendo a cena em minha mente. Ardendo.

– Não teríamos conseguido agarrar aquele animal se Willian não tivesse feito aquilo, e ele sabia, eu estava na mente dele quando ele tomou a decisão de se sacrificar para que nós tivéssemos uma chance. – Ele continuou. – Nós vamos encontrar uma forma de salvá-los. O fato de nunca ter acontecido não quer dizer que é o fim, que não há solução. Quando você nasceu e nós assistimos seu crescimento acelerado, ninguém sabia se iria parar, se iríamos te perder. Mas nós não paramos até saber o quê aconteceria. E mesmo assim você é única em sua espécie agora, leve isso como um lembrete de que há uma primeira vez para tudo, de que há esperança afinal. – Eu queria desesperadamente acreditar naquelas palavras, guardá-las.

– O quê vamos fazer agora, pai? Aro e Jane ainda estão lá fora e eles não vão parar.

– Eu sei, mas eu acredito que Aro não vai tentar nada tão cedo. Ele sabe que o momento é o menos propício possível. Ele vai esperar a maré amansar, sei disso.

– E enquanto isso, o quê faremos?

– Eu lhe aconselho a viver um pouco sua vida Ness. Você acabou de atingir a maturidade e já teve que lidar com coisas tão pesadas. Essa é a segunda vez que você esteve no fogo cruzado. Vá, viva um pouco. Essa não foi a vida que eu e sua mãe sonhamos para você. Resolva essa situação com Jacob e Alec, permita-se um pouco de felicidade. O momento de lutar novamente vai chegar, talvez mais cedo do quê imaginamos. – Eu olhei para ele com uma certa vergonha, um misto de incredulidade e consternação, mas não consegui dizer nada. Eu só queria encontrar uma forma de limpar minha mente, de ficar sozinha por um momento. Era estranho como eu não conseguia ficar com ninguém desde que tudo aquilo explodiu em minha vida.

– Obrigado pai. – Eu disse, quando ele me beijou na testa e caminhou silencioso para dentro da casa. “Eu te amo” pensei. Ele me olhou novamente, um sorriso discreto se abrindo em seus lábios. Era estranho, os olhos dele diziam algo como “sentirei sua falta”, e então eu entendi que ele sabia o quê eu pretendia, mesmo que eu não tivesse pensado naquilo abertamente. Porém, o que mais me sobressaltou foi a confiança nos olhos dele, a compreensão de algo tão difícil para nós dois. Ele estava certo, eu precisava organizar a bagunça que Aro havia deixado em minha vida. Precisava de tempo, de ar, até que a hora de caçá-lo chegasse e eu tivesse que abandonar tudo novamente. E eu sabia por onde devia começar…

– Como ela está? – Perguntei, descendo as escadas até o campo aberto que se estendia ao redor da casa. Alec me olhou e por um momento não disse nada, estava perfeitamente parado, mirando o nada, parecia fazer parte de tudo ali ao seu redor. Como eu pude ao menos esperar que aquilo não seria difícil? Perguntar sobre Lavínia não era nada mais que um pretexto, e ele sabia disso.

– Ela vai enterrá-lo pela manhã, prometi ajudá-la. Ela queria levá-lo de volta para a Rússia, mas eu a convenci de que seria muito perigoso viajar com um corpo que ainda por cima nem é humano. – Assenti, não sabia mais o quê dizer. Minha mente estava estranhamente muda, embora pesasse toneladas.

– O quê vai fazer agora? – Eu não ousava olhá-lo nos olhos, mas ele observava-me atento.

– Marcus me ofereceu o trono. – Disse ele.

– Sério? Pensei que ele fosse retomar a liderança.

– Ele diz que nossa espécie não vai mais aceitar a liderança de um dos antigos anciões e que de qualquer forma, ele não quer mais essa vida, não depois de tudo… – Aquela foi a primeira vez que eu vi um sinal de tristeza nos olhos de Alec, e eu soube que ele também estava sentindo a morte de Willian. Ver aquela dor por trás de outros olhos era reconfortante de alguma forma.

– E você vai aceitar? – Me apressei em dizer.

– Acha que eu deveria?

– Talvez. – Eu falei.

Ficamos em silêncio durante alguns minutos, e eu fiquei imaginando como Alec se sairia liderando a nova ordem Volturi.

– Não sei se conseguiria. – Disse ele.

– Por quê?

– Por quê não é aqui que quero estar. – Ele falou, olhando-me de novo daquela maneira desconfortável.

– Pare com isso. – Eu disse, afastando meus olhos dele. Alec se aproximou.

– Por quê? Por quê foge de mim desse jeito? – Disse ele tocando meus ombros.

– Eu não estou fugindo.

– Sim, você está. Nem mesmo me olha nos olhos. Tem medo do que sente por mim. – Alec estreitou o espaço entre nós e eu pude sentir a respiração dele contra minha pele. Um arrepio percorreu meu corpo com a friagem de suas mãos roçando meus braços.

– Eu amo ele. – Eu disse, afastando suas mãos de mim.

– Eu sei, mas você sente algo por mim. Eu sinto isso. Toda vez que me olha, toda vez que eu me aproximo, toda vez que te toco… – Ele falou, dando um passo atrás e me encarando com aqueles olhos frios.

– Quer saber o quê eu sinto agora? Eu sinto ódio Alec, um ódio tão grande que nem me deixa respirar. Eu vou atrás de Aro e da sua irmãzinha e eu vou matá-los nem que seja a última coisa que eu faça. – Falei, me afastando dele depressa, sustentando meu álibi com minha melhor máscara. Funcionou, afinal. Alec me olhava com o rosto impassível, eu podia ver o pesar em seus olhos vermelhos, tão escuros como rubis brilhando na noite. Eu deveria sair dali, mas minhas pernas não se moviam, estavam presas ao chão, e Alec não dizia nada…

– Eu não vou voltar para casa, não poderia depois de tudo. Não consigo encarar Alice, não consigo fingir que está tudo bem como eles fazem.

– Você pode ficar aqui, comigo. – Disse Alec. Eu ia protestar, mas por um momento eu considerei aquela idéia, sem nem mesmo consentir a minha mente que o fizesse. Eu imaginei como seria, nós dois, reconstruindo o exército Volturi, reerguendo o clã que lideraria todos os imortais dali em diante, pelo resto da eternidade.

– Não posso. – Eu disse. – Eu preciso ir, não sei para onde, mas aqui não é meu lugar.

– Seu lugar é onde seu corpo, sua mente e sua alma desejam estar. – Disse ele.

– É por isso que ele vem comigo. – Falei, virando-lhe as costas.

– Diga-me que nenhuma dessas partes deseja ficar aqui, comigo. Diga. – Mas eu não podia dizer aquilo, não podia dizer nada…

– Então eu sei que você vai voltar. Um dia. – Ele falou, estendendo a mão até a minha. Alec beijou minha mão e colocou um pequeno pedaço de papel entre meus dedos. Não consegui ler o quê ele escrevera, sentia medo de abrir aquele papel, era como ter de encará-lo novamente, e eu simplesmente não podia mais fazer isso.

Enquanto eu me afastava, eu sentia uma parte minha sendo deixada ali. As palavras de Alec se infiltraram em mim como um chamado secreto, como um imã que sempre me atrairia de volta para ele. Caberia a mim encontrar a força para escolher meu lugar. Mas eu não podia fazer isso agora, não naquela noite, onde tudo parecia mais escuro e mais silencioso, onde todas as escolhas pareciam significar vida ou morte. Naquele momento eu só sabia que tinha de partir e que Jacob tinha de vir comigo, por quê eu não podia terminar aquela noite sozinha, eu precisava dele, como precisava de ar. Eu estava cometendo o mesmo erro novamente, mas eu não me importava.

Dali a algumas horas, Willian seria enterrado nos campos de Montepulciano, sob o céu sempre azul e o sol sempre quente, rodeado pelo cheiro do trigo e pela brisa fresca das montanhas. Alec assumiria o trono Volturi e uma nova era se iniciaria para os imortais. Havia esperança pela primeira vez no horizonte, mesmo com as sombras pairando ainda sobre nós. Nada havia mudado muito em nosso mundo, havia ainda dor, sangue e morte nos envolvendo de todos os lados, apenas mais do mesmo. Afinal, o quê todos queriam? Paz ou liberdade? Essa liberdade foi alcançada por um preço alto demais, e nem nos meus mais belos sonhos eu esperava ter paz em nosso mundo, eu vira coisas demais para acreditar numa existência pacífica e mais do que nunca eu estava ciente de que nossa espécie nunca estaria realmente em paz. Agora havia a calmaria, com seus ventos suaves varrendo as nuvens para longe, mas era certo – e eu já esperava – a tempestade se aproximando.

Quando já havia andado algumas horas no meio da noite, peguei o celular que havia ficado no bolso do casaco que Rosalie me emprestara e disquei um número conhecido. Ele estava ansioso quando atendeu, como sempre…

– Onde você está? – Disse Jacob.

– Esperando por você.

– Onde?

– Siga meu cheiro, e se apresse.

Alguns minutos depois a som das patas contra o solo me alcançou no silêncio dos campos desertos, onde a brisa corria livre, carregando as pequenas folhas que se desprendiam das árvores. Jacob mudou de forma e vestia seu velho calção jeans quando veio ao meu encontro.

– Nós precisamos ir. – Eu disse, estreitando-o em meus braços. Ele circundou minha cintura, me enlaçando num abraço quente e apertado e eu respirei fundo, inalando o cheiro dele, deixando-o penetrar em meus poros.

– Aonde vamos? – Perguntou ele, afundando o rosto em meu pescoço.

– Não importa, desde que você esteja aqui.

– Pensei que quisesse ficar sozinha.

– Eu não sei quanto tempo eu ainda tenho, não sabemos quando algo demoníaco virá nos caçar. Essa noite pode perfeitamente ser nossa última, e eu sei com quem eu quero terminá-la. – Jacob sorriu e me segurou nos braços, eu podia sentir o coração dele martelando no peito enquanto caminhávamos pela noite.

Eu não disse adeus a ninguém, esperava vê-los logo. Esperava ter Alice novamente trançando meus cabelos, e Rosalie passeando comigo em seu carro pelas estradas de Forks. Esperava estar com meus pais de novo e ver seus rostos e ouvir suas vozes. Atirar bolas de neve em Emmet, correr pelas florestas de La Push, afundando os pés no solo molhado. Eu contava com aquilo, era minha pequena caixa de segurança, bem ali, em meu peito, escondida sob as sombras frias e as lembranças dolorosas.

Não havia nada mais que pudesse ser feito ali. Depois de todos aqueles meses vivendo nos porões do castelo Volturi, eu estava respirando novamente. Ar. Puro e limpo. Por maior que fosse o buraco em meu peito, eu estava apenas respirando aquela noite.

O medo, a dor, a culpa, o ódio… Todas essas coisas me seguiam, em cada passo, em cada batida do meu coração, mas eu prometi que me manteria a frente delas, na superfície. O mundo continuava, ele não iria parar para que eu juntasse meus cacos, para que eu chorasse todas as lágrimas. Eu estava cansada, mas precisava continuar. Por minha família, por Alec, pelos amigos que lutaram a meu lado e pela pessoa que fazia eu me sentir viva, todo e cada dia.

 

33 opiniões sobre “Rising Sun Cap 40 Imortais”

  1. ta bacana,amei,

  2. laisse santana disse:

    Oh my god, gzuis ta acabando….
    ana naum faz isso comigo garota
    naum mata o jazz naum snif snif snif
    vai ed, acaba com ansião bobalhão
    meeeeu deus são tantas emoções como diria o rei
    kkkkkkkk
    quando tem a proxima parte?
    vai ter continuação??
    bjux! vc é otima escritora
    e o blog é maaaaaaravilhoooooso

    • São emoções mil!!!! A Anna escreve muito mesmo! e Obrigado pelo elogio ao blog esse é de autoria minha incluindo a decoração que é fruto de algumas horas de trabalho para chegar a um resultado que me deixasse satisfeita e fosse o melhor para os meus leitores e colaboradores!!!! Bjoks… ;D

  3. quando tem a proxima parte?
    vai ter continuação??
    vc é otima escritora !!!!!

  4. Oi Karem, A próxima parte vem assim que a Anna terminar de escrever, e segundo informações vai ter continuação sim, mas não imediatamente… E Nossos parabéns a Anna Escritora dessa fic!!!!

  5. ta surpreendente,uma maravilha!!!!!!!!!!!!!!quando vai postar o epilogo?nao demora muito,ta?bjao!!!!

  6. Oii muito boa a história
    Não mata o Jasper não tem que haver algum antidoto coitadinha da Alice!!!! Snif

    To loca pra ve a continuação!!!
    Beijos

  7. olha seu blog ta muito bom e eu chrei quase em todas as partes e espero a segundo parte logo
    mais não era para vc meter o jesper o nen o wil bjoo ty dolle

  8. OME (Oh meu Edward, aushaush)
    Poxa ke escritora má (brinkadeira)…
    Ja foi o Jazz, o Will, kem mais vai morrer??
    A jane e o Aro eu aceito mas…
    Bom o Alec vai mesmo reconstruir o Ïmperio Volturi”?
    Ah, e eu espero uma cura pro Jazz e pro Will, e continuacao pra nós… uahsuhas

    Quem ker continuacao levanta os bracos e abre as pernas:
    \o/ \o/ \o/ \o/ \o/ \o/ \o/ \o/
    | | | | | | | |
    / \ / \ / \ / \ / \ / \ / \ / \
    auhsuahauhsuahsuhuahsuhuahahsuashu

  9. Biah Cullen disse:

    NOOOOOOSSSSSSSSAAAAAA!!!! Esse capitulo foi demais. AH o Jasper e o Will não pode morrer tem q tr uma cura para eles. E esse blog é maravilhoso, adoro ele. \o/ \o/ \o/ \o/ \o/ \o/ \o/\o/\o/\o/\o/

  10. ameii ta muito bom caramba
    o jazz ñ pode morrer ñ pode ele é tao lindo”””
    lana muito obrigado por posta isso para nós caramba to muito feliz!!!
    mas poste lçogo a continuaçao rsrs”’
    bjkssss♥

  11. Lio cullen disse:

    Nossa continuação . Por favor .. Ameii !!!
    So nao mata Jazz por favor e Alec fofo e Jacob coitado !!! Eu nao sei para quem vou torcer beijus

  12. ainda to pensando no alec a renesme é meio pscopata.como assim deichar o coitado sofrendo?agr sim eu poderia rezar para o jacob morrer

  13. tem o alec no prox livro?

  14. aaah, q dó do Alec ); uq tava escrito no papel q ele deu p Nessie? gnt do céu, o jacob é fofo mas n é justo o alec q deu tudo p nessie ficar sozinho, triste e desolado!

  15. pena q esta acabando,obrigada

  16. cristina disse:

    nossa ameiiiii mtooooo espero que tenha continuidade

  17. To adorandoo essa fic. Eu só quero saber o que sthefanye vai escrever ela deveria ver isso e se inspirar a Ana e muito boaa. Adoroo!!

  18. Adorei sua historia e acho que deveria continuar sim! estou aguardando anciosa!
    Escreva pelo amor de deus!

  19. AAhhh adoreii a historia!!!! Mais na continuação faz a Nessi escolher o Alec?? Assim a historia ficaria bem melhooor!!

  20. Não jeria que o Jazz e o Will morrese shuaaaas
    mais estou gostando apesarde kerer ke Ness fike com Alec

  21. jeffani disse:

    nossa q pena q ta acabando so falta o epilogo pra mim + q boom q vai ter risingfall vou entrar de cabeça nessa historia assim como fiz nessa enas outras continue ñ pare por os amates da saga q acabou.

  22. Jhulie Falcon Pedrosa del Lyrniër disse:

    Eu so n gostei q a Ness ficou com o Jacob… Preferia ela com Alec! Espero continuacao e quem sabe eles n fiquem juntos no final? Continue ai , pf!

  23. esta muito legal!!! mas vc sabe me dizer se vai sair a próxima parte???

  24. Vivian P. Freitas disse:

    Poxa!!
    Que emocionante, so quero que Alec encontre alguem, quero que Jane possa se arrepender e Aro morra, quero muito que Alec seja feliz, sinto por ele é legal, quero que o antido venha a surgir para jasper e Willian viva com lavinia…. Quro a continuaçã sesae livro. Ele é bem feito…. Amei!

  25. Necessito de maais >< sauhoahsaou Você escreve muito bem, continue por favor acho que todos estamos curiosos

  26. Eu to curiosa pra saber o que tinha naquele bilhete que o alec de eu pra nesse.

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